2007/04/13

SOBE A CALÇADA


Nunca tinha lido este poema do António Gedeão. Ele existia associado apenas às inúmeras vezes que o escutei, dito pela Deputada Odete Santos. Sabia o que contava, as vidas que retratava, identificava-me com ele, dito pela Odete Santos. Se ela o utilizava como panfleto erudito na defesa das suas causas e convicções, ele tornou-se a descrição do seu próprio labor da defesa dessas causas.
A mulher que sobe, porque sobe, incessantemente, na dura luta da vida é a mesma que sobe, porque sobe na dura vida da luta.
Este poema, que agora já li, ficará como testemunho mais fiel do capital de agradecimento que à Deputada Odete Santos é devido.



Luísa sobe,
sobe a calçada,s
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada.
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão- poema incluído na antologia A ARGAMASSA DOS POEMAS

5 comentários:

Anónimo disse...

Pela beleza das suas palavras, que ficam tão bem ao lado das do Eugénio de Andrade, e do exemplo de vida das Luisas, das Odetes e da Odete Santos em particular, obrigada por este spot. (Escreve cada vez melhor e o prazer de ler textos bem escritos é também um incentivo à subida da calçada).
um abraço
Maria CC

Anónimo disse...

O poema não é de Eugénio de Andrade, mas até que podia ser. Que me desculpe o António Gedeão.

Maria CC

Anónimo disse...

A Odete é incontornável. Serão poucos os deputados que colocam o tipo de entrega e paixão no desempenho das suas funções que ele colocou. Todas as pessoas têm um tempo. O dela foi bem empregue. Obrigado camarada

Anónimo disse...

Obrigado também ao Marquês. O blogue continua interessante.

Anónimo disse...

Olá companheiro;

Tens aqui um sitio todo catita. A camarada Odete lá se reformou. È verdade. O tempo não perdoa. Vai ser dificil outra assim. Vamos lá ver se aquela rapaziada nova que agora lá anda, faz por justificar a sangria.