2007/06/15

GUERRA JUNQUEIRO SEMPRE ACTUAL!




"É impressionante como nada, ou quase nada muda.Por isso continuamos, cada vez mais, na cauda da Europa. Para leitura..." Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo,enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, -reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...) Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...) Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda duma lotaria. A justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"




Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

1 comentário:

Anónimo disse...

O que fazer? Há mais de um século que as cenas se repetem, com mais ou menos vigor, lá está esta forma acéfala de viver. Alguns, poucos, tentam resistir, gritar, mas o ruído é cada vez mais, só isso, ruído. Estaremos predestinados a viver eternamente assim? Às vezes parece vislumbrar-se outro caminho, estreito é certo. Mas hoje, talvez pela chuva, parece que o carreiro se diluiu.

Amanhã haverá sol. Espero...

Quanto ao Junqueiro, os textos que deixou, também sobre a educação continuam, infelizmente, com alguma actualidade. Afinal, 100 anos, na História do Mundo, não é nada.
O pior são os que gastam a sua existência nos anos que não contam.
Umabraço
Maria CC