CARTA A VIRTRUVIO
CK,SDÇAGNO
CARTA A VIRTRUVIO
Por motivos óbvios não sei se nos conhecemos pessoalmente.Gostaria de lhe agradecer (ou de vos agradecer, caso sejam um colectivo) a gentileza, porventura imerecida, em considerar como possível a minha utilidade em futuras missões autárquicas.
Não fora o comprovado aumento da esperança média de vida, que, quando se tem a ventura de escapar às emboscadas precoces da grande ceifeira, nos possibilita olhar para horizontes temporais activos de mais vinte anos, mesmo quando já entradotes nos cinquentas, e seria obrigado a considerar a vossa ideia desfasada da minha condição etária. Por outro lado, face à pressão neoliberal no sentido do prolongamento da vida de trabalho obrigatório, é quase indeclinável estar disponível em solidariedade cívica, e não nos refastelarmos em confortáveis aposentadorias.
Relativamente à sua iniciativa gostaria de lhe transmitir que, com todos os seus méritos e inconveniências, deveria ser dada por acabada.
Poderei, caso o entenda adequado, esclarecer melhor, em missiva dirigida aos peticionários, e demais interessados, o meu estado de espírito perante a hipótese levantada. Passarei, porém, a adiantar alguns aspectos.
Desde já esclarecer, que, na minha qualidade de membro do PCP, que sou, não me parece adequado, possível e aconselhável, insistir numa via que, independentemente da sua bondade, verifico causar desconforto em muitos militantes e simpatizantes, que até poderiam “apoiar” a ideia, porque as circunstâncias concretas vividas em Loures são, de facto, preocupantes, mas não o fazem, nem farão, ou por questões de princípio, ou porque desconfiam dos seus verdadeiros objectivos.
Independentemente das diversas circunstâncias pessoais e familiares, e de motivações profissionais, que, no seu conjunto, me impulsionam para outros caminhos de actividade, que não os do exercício de funções políticas institucionais numa autarquia municipal, designadamente ao nível executivo, não rejeito absolutamente a hipótese de me disponibilizar e candidatar a tarefas nessa área, porque a vida já me revelou a importância decisiva que elas têm para as comunidades e territórios, e, portanto, admito teoricamente a possibilidade de vir a vislumbrar um projecto interessante, no qual o meu contributo, independentemente das funções específicas, pudesse ser positivo.
Contudo, e isso é incontornável, nunca me candidataria num contexto de divisão e, muito menos, de confronto com um qualquer projecto dimanado do PCP, mesmo que eu o considerasse menos acertado às circunstâncias em concreto. Se isso acontecesse, exprimiria a minha opinião discordante no sítio adequado, e se isso não me fosse permitido, guardaria silêncio.
No universo da política real, e no recanto da galáxia ideológica onde me encontro, o mundo dos silêncios não significa vazio, esterilidade e inacção diletante, e, sobretudo, permite esperar e distinguir, sob as ruidosas cacofonias oportunistas, e para além das amplificadas atoardas difamatórias que pontuam a actualidade, as notas cristalinas com que se construirão as novas sinfonias do progresso humano.
Isto não significa, no entanto, que desmereça o labor de todos os que, no meio do ruído e da poeira da incerteza, cerram os olhos e os punhos e vão pelo caminho do essencial, uma vez indicado como certo na defesa dos povos, independentemente dos erros e percalços comprovados, até porque sem esses lutadores brechtianos, de facto, nem sequer seria possível um novo tempo de sinfonias.
Este mundo do silêncio a que me refiro, não é um trem em viagem para o outro lado da barricada, que, no entanto, existe, em horários diversos e convidativos, e já foi por bastas vezes utilizado. É tão somente uma estação para retemperar as forças e as convicções daqueles que, como eu, não são permanentemente fortes e esclarecidos.
Parece-me, porém, que será aconselhável evitar a forte tentação de classificar esta estação como uma leprosaria, de onde não se retorna sem mácula, porque o número dos estagiários é enorme nesta gare do oriente, constituindo talvez um dos principais campos de recrutamento para as novas viagens globais.
Gostaria, ainda, de lhe dizer que comungo de muitas das preocupações por si manifestadas no documento inicial, e, sobretudo, partilho da opinião relativa ao desvario da actual gestão municipal, e às consequências negativas que ela tem para as terras de Loures.
E também registo, com alguma perplexidade, o atraso, pelo menos aparente, na construção de uma alternativa regeneradora.
Queira receber os melhores cumprimentos,
Demétrio Alves