Nem durante as Invasões Francesas este Palácio conheceu tamanha destruição. Lembrei-me das invasões, porque ao olhar para o estado em que as cheias de Fevereiro me deixaram o Palácio, estado registado pela objectiva de um passante, exclamei um “Foi mesmo tudo para o maneta”.
É uma curiosa expressão que se conserva na tradição oral portuguesa. Quantos já se terão questionado sobre a sua origem? Como a maioria das expressões idiomáticas, também esta sobrevive por si mesma, há muito desligada da sua origem.
Não foi só o Palácio que foi para o maneta, também muitas das pessoas afectadas pelas cheias viram a sua vida ir para o respectivo. As medidas de apoio anunciadas revelam-se pensos diminutos face a tão grandes chagas. Muitos dos estabelecimentos afectados estão ainda encerrados por impossibilidade dos seus proprietários. A linha de apoio criada pelo Município terá um impacto residual perante a dimensão dos prejuízos. O governo demonstrou um desprezo extraordinário pelas populações afectadas ao não decretar medidas de excepção para as zonas efectadas. A Câmara Municipal revela-se totalmente incapaz de ouvir e reavaliar as suas acções, sobretudo no que respeita à urgência das medidas preventivas. Não sendo profeta da desgraça, digo, ainda muito irá para o maneta, se se mantiver a actual ocupação!
O tal Maneta já morreu há muito tempo. Na primeira campanha francesa em Portugal, o General Andoche Junot veio acompanhado de um outro General, cuja marca cruel vive hoje nesta expressão. Louis-Henri Loison, General francês de apenas 36 anos, chega a Portugal trazendo um currículo preenchido pela participação nas mais importantes campanhas francesas por toda a Europa.
Um ano antes de chegar a Lisboa, Loison foi vítima de um acidente de caça que resultou na mutilação do seu braço esquerdo. Essa mutilação retira-lhe o comando da sua divisão, mas acaba por chegar a portugal integrado no contingente liderado por Junot.
Por todo o país se instalaram focos de resistência e guerrilha à ocupação francesa. Foi no combate a essa resistência, em especial na sua brutalidade, que o jovem General francês granjeou a fama que o adágio popular conservou até hoje. Os levantamentos populares incendiaram o país e destabilizaram o esforço de ocupação. Neste contexto, Loison destacou-se pelo seu papel repressivo. O ódio gerado pela figura era de tal ordem, que os restantes oficiais franceses temiam ser confundidos com ele, receando a reacção popular.
Ascende ao cargo de chefe da “polícia política” francesa em Lisboa e espalha o terror entre as populações lisboetas e dos arredores. Os seus métodos implicavam a tortura, a pilhagem, as execuções sumárias e os roubos. Os seus homens dispunham de total liberdade para a prática de todas as arbitrariedades. O país odiava-o e temia-o. A sua passagem por quaisquer vila, cidade ou lugar era sinónimo de destruição e humilhação.
O Maneta, como o povo o tratava, deixou marcas profundas num país humilhado, sem rei nem governo, e que viria a ver o governo militar francês ser substituido pelo governo militar inglês. Entre nós, ficaria para a posteridade a memória do general “Maneta”, o vilão francês sem escrúpulos, para o qual tudo ia e tudo se perdia. Daí que, ainda hoje, “vá tudo prò Maneta”, na gíria nacional está claro.
A sua fama chegou à poesia popular:
.
"Entre os títeres generais
entrou um génio altivo
que ou era o Diabo vivo
ou tinha os mesmos sinais...
.
Aos alheios cabedais
lançava-se como seta,
namorava branca ou preta,
toda a idade lhe convinha.
Consigo três Emes tinha:
Manhoso, Mau e Maneta."
#
"Que generais é que devem
morrer ao som da trombeta?
Os três meninos da ordem:
Jinot, Laborde e Maneta.
.
O Jinot mai-lo Maneta
julgam Portugal já seu:
É do demo que os carregue
e também a quem lho deu."