2008/03/31

O ÚLTIMO A SABER



O mais interessante nesta notícia é o facto de a mesma indicar que as restrições incidem sobre os municípios por onde passará o TGV e onde já existe uma boa definição dos corredores a utilizar. Neste grupo está incluído o Município de Loures. Isto torna ainda mais caricato o facto de o Presidente da Câmara continuar a dizer que não tem a mais pequena ideia do ou dos traçados possíveis. Será, como sempre, o último a saber, ou a procurar saber!

Governo decreta medidas restritivas ao uso do solo em 24 concelhos

"O governo considera, segundo o Diário da República publicado quinta-feira, “absolutamente necessário” aplicar as medidas restritivas ao traçado “entre Lisboa e Vila Franca de Xira, Alenquer e Pombal, e Oliveira do Bairro e Porto”, justificando o “risco real de ocorrência de alteração do uso do território” e a possibilidade de “torná-la mais difícil e onerosa”.
O decreto restringe o uso do solo, no corredor projectado no traçado preliminar para o TGV, em 24 concelhos - Porto, Vila Nova de Gaia, Espinho, Santa Maria da Feira, Ovar, Oliveira de Azeméis, Estarreja, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Oliveira do Bairro, Pombal, Leiria, Marinha Grande, Alcobaça, Porto de Mós, Caldas da Rainha, Rio Maior, Azambuja, Cadaval, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Vila Franca de Xira, Loures e Lisboa. Excluído das medidas fica “o traçado compreendido entre Vila Franca de Xira e Alenquer, e Pombal e Oliveira do Bairro, já que o estado dos trabalhos em curso ainda não permite, com o necessário grau de detalhe, proceder à delimitação das áreas a abranger”, refere o Diário da República. De acordo com o decreto, que hoje entra em vigor, a “criação de novos núcleos populacionais, incluindo operações de loteamento”, a “construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações” e a “instalação de explorações ou ampliação das já existentes” ficam sujeitas a “parecer prévio vinculativo da Rede Ferroviária Nacional” (REFER). À semelhança de “alterações importantes, por meio de aterros ou escavações, à configuração geral do terreno”, ao “derrube de árvores em maciço” e a “destruição do solo vivo e do coberto vegetal”. Segundo o governo, “os prejuízos resultantes da prática dos actos (…) referidos são social e economicamente mais relevantes do que os danos que das medidas preventivas ora estabelecidas poderão, eventualmente, resultar”.
Do decreto consta ainda a identificação das áreas afectadas pelas medidas preventivas, definidas nos “traçados preliminares da ligação entre Lisboa e Porto da rede ferroviária de alta velocidade”, e que podem ser consultados pelos interessados na REFER, Comissões de Coordenação do Desenvolvimento Regional (CCDR) e municípios abrangidos. As medidas restritivas para a construção do TGV devem “ser tidas em consideração na elaboração, alteração ou revisão de todos os instrumentos de gestão territorial com incidência nas áreas delimitadas”, prossegue o documento. A REFER e as CCDR ficam responsáveis pela fiscalização das medidas restritivas decretadas, o Governo indica que “as obras e os trabalhos efectuados com inobservância” das mesmas “podem ser embargados ou demolidos”, para repor a situação actual e “imputando-se os respectivos encargos ao infractor”. “Sem prejuízo dos poderes de tutela da legalidade urbanística legalmente atribuídos ao presidente da câmara municipal, a competência para ordenar o embargo, a demolição ou a reposição da configuração do terreno cabe à REFER, EP, e à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente, podendo cada uma das referidas entidades exercê-la isoladamente”, salienta o decreto. "

2008/03/29

IR PRÓ MANETA


Nem durante as Invasões Francesas este Palácio conheceu tamanha destruição. Lembrei-me das invasões, porque ao olhar para o estado em que as cheias de Fevereiro me deixaram o Palácio, estado registado pela objectiva de um passante, exclamei um “Foi mesmo tudo para o maneta”.
É uma curiosa expressão que se conserva na tradição oral portuguesa. Quantos já se terão questionado sobre a sua origem? Como a maioria das expressões idiomáticas, também esta sobrevive por si mesma, há muito desligada da sua origem.

Não foi só o Palácio que foi para o maneta, também muitas das pessoas afectadas pelas cheias viram a sua vida ir para o respectivo. As medidas de apoio anunciadas revelam-se pensos diminutos face a tão grandes chagas. Muitos dos estabelecimentos afectados estão ainda encerrados por impossibilidade dos seus proprietários. A linha de apoio criada pelo Município terá um impacto residual perante a dimensão dos prejuízos. O governo demonstrou um desprezo extraordinário pelas populações afectadas ao não decretar medidas de excepção para as zonas efectadas. A Câmara Municipal revela-se totalmente incapaz de ouvir e reavaliar as suas acções, sobretudo no que respeita à urgência das medidas preventivas. Não sendo profeta da desgraça, digo, ainda muito irá para o maneta, se se mantiver a actual ocupação!

O tal Maneta já morreu há muito tempo. Na primeira campanha francesa em Portugal, o General Andoche Junot veio acompanhado de um outro General, cuja marca cruel vive hoje nesta expressão. Louis-Henri Loison, General francês de apenas 36 anos, chega a Portugal trazendo um currículo preenchido pela participação nas mais importantes campanhas francesas por toda a Europa.

Um ano antes de chegar a Lisboa, Loison foi vítima de um acidente de caça que resultou na mutilação do seu braço esquerdo. Essa mutilação retira-lhe o comando da sua divisão, mas acaba por chegar a portugal integrado no contingente liderado por Junot.

Por todo o país se instalaram focos de resistência e guerrilha à ocupação francesa. Foi no combate a essa resistência, em especial na sua brutalidade, que o jovem General francês granjeou a fama que o adágio popular conservou até hoje. Os levantamentos populares incendiaram o país e destabilizaram o esforço de ocupação. Neste contexto, Loison destacou-se pelo seu papel repressivo. O ódio gerado pela figura era de tal ordem, que os restantes oficiais franceses temiam ser confundidos com ele, receando a reacção popular.

Ascende ao cargo de chefe da “polícia política” francesa em Lisboa e espalha o terror entre as populações lisboetas e dos arredores. Os seus métodos implicavam a tortura, a pilhagem, as execuções sumárias e os roubos. Os seus homens dispunham de total liberdade para a prática de todas as arbitrariedades. O país odiava-o e temia-o. A sua passagem por quaisquer vila, cidade ou lugar era sinónimo de destruição e humilhação.

O Maneta, como o povo o tratava, deixou marcas profundas num país humilhado, sem rei nem governo, e que viria a ver o governo militar francês ser substituido pelo governo militar inglês. Entre nós, ficaria para a posteridade a memória do general “Maneta”, o vilão francês sem escrúpulos, para o qual tudo ia e tudo se perdia. Daí que, ainda hoje, “vá tudo prò Maneta”, na gíria nacional está claro.

A sua fama chegou à poesia popular:
.
"Entre os títeres generais
entrou um génio altivo
que ou era o Diabo vivo
ou tinha os mesmos sinais...
.
Aos alheios cabedais
lançava-se como seta,
namorava branca ou preta,
toda a idade lhe convinha.
Consigo três Emes tinha:
Manhoso, Mau e Maneta."
#
"Que generais é que devem
morrer ao som da trombeta?
Os três meninos da ordem:
Jinot, Laborde e Maneta.
.
O Jinot mai-lo Maneta
julgam Portugal já seu:
É do demo que os carregue
e também a quem lho deu."

2008/03/27

THE FLYING CLUB CUP


Por conselho de um visitante e para satisfação do Secretário, partilha-se a The Flying Club Cup.

2008/03/25

ASSIM, SIM!


Clicar na imagem para ampliar.

UM APELO À AUTO MOTRIZ




A edição de hoje do Diário de Notícias incluía uma publicação sobre o Poder Local, uma espécie de guia elementar, que como todas as publicações especiais, também esta é em parte suportada pela venda de espaços publicitários a anunciantes. Entre os muitos anúncios publicados a minha atenção recaiu sobre o anúncio de página inteira da AUTO MOTRIZ, uma empresa que se dedica ao comércio e manutenção automóvel em Sacavém.

Sob o título “A Auto Motriz faz o seguinte apelo", a empresa faz publicar seis parágrafos, que desdobram o apelo anunciado em seis, onde se fala de tudo menos da venda de viaturas, novas ou usadas. Neste anúncio, os responsáveis da empresa entendem dissertar sobre vários assuntos de interesse político e social. Jamais comentaria um anúncio de venda de automóveis se ele não fosse sobre tudo menos isso mesmo.

O primeiro apelo é dirigido aos Media, para que se abstenham de destacar “notícias negativas", que “não enaltecem a população portuguesa nem contribuem para o seu orgulho”. Este primeiro apelo recorda-me o conceito marcelista de direito à informação. Marcelo Caetano também entendia que só deveria ser levado ao conhecimento do público aquilo que fosse do seu interesse, sendo claro que alguém deveria velar pelo cumprimento desse interesse. A liberdade de imprensa é um valor democrático inquestionável, que enquadrado por normas legais e éticas, presta um serviço insubstituível à democracia. Sempre que se tentou domesticar a liberdade de imprensa em nome de interesses “superiores” da nação acabou-se invariavelmente na arbitrariedade e na negação dessa mesma liberdade.


Noutro parágrafo, os proprietários da Auto Motriz apelam aos laboratórios que apoiem as “famílias carenciadas que não têm condições de comprar os medicamentos (...)”. O direito à saúde dos cidadãos deve depender de um sistema nacional de saúde público, que assegure em condições de igualdade o acesso de todos os cidadãos aos cuidados médicos. Esse direito, consagrado constitucionalmente, não deve estar dependente da vontade caritativa de entidade nenhuma, mesmo os laboratórios. Se as práticas laboratoriais forem lesivas do interesse público e dos cidadãos, deve ser exigido ao Estado uma intervenção no âmbito das suas competências reguladoras.

A Auto Motriz (lembra) “aos portugueses que é extremamente difícil governar uma nação com dez milhões de habitantes, onde cerca de três milhões são estudantes não contribuintes, três milhões sãos reformados não contribuintes e um milhão são imigrantes em que parte do seu salários são enviados para os seus países de origem.” Mais uma vez os responsáveis da Auto Motriz recuperam uma máxima salazarista, “Se todos soubessem como é difícil governar, todos gostariam de obedecer.” Difícil é viver num país onde os direitos ganhos durante uma vida de trabalho vão sendo retirados aos pensionistas por sucessivos governos que teimam em fazer perigar o sistema nacional de segurança social, empurrando os pensionistas para as caridades acima referidas. Difícil é viver num país onde o sistema de educação serve para cumprir estatísticas e não para formar cidadãos. Difícil é viver num país onde os imigrantes são utilizados por empresários sem ética.

Mas mais enigmático é o apelo que aparece destacado no anúncio pago pela Auto Motriz, “Apelamos a todos os partidos políticos que trabalhem em conjunto, não separados e que não debatam publicamente sobre determinadas questões quando estas devem ser discutidas dentro de um gabinete. Visto os políticos sãos os pais dos portugueses, os pais exemplares não discutem em frente dos seus filhos.” De todos os apelos que os responsáveis desta empresa entenderam por bem fazer, este é o mais bolorento de todos. Os partidos políticos corporizam projectos diferentes de sociedade, defendem caminhos específicos para ultrapassar problemas concretos e têm estratégias diferentes para alcançar o bem comum. A essência da democracia é o debate público dessas diferenças. Aos cidadãos, depois do conhecimento dessas diferenças, é dada a palavra final. Nenhum cidadão deve encarar os políticos como “pais dos portugueses”. Esse paternalismo bacoco imperou durante quase 50 anos de ditadura com os resultados conhecidos. Ao contrário dos pais, os políticos devem ser aferidos, criticados, avaliados, e por fim, confirmados ou removidos. É a democracia! Por outro lado é cada vez mais necessário que as decisões políticas, em especial os processos que as sustentam, sejam públicas e publicitadas. É fundamental que os cidadãos, não só conheçam, como tenham oportunidade de intervir a cada momento nesses processos. Por essa razão já existem múltiplos mecanismos de consulta e debate, desde a Assembleia da República até às autarquias locais.

Por fim, faço um apelo aos responsáveis da Auto Motriz, que só conheço destas linhas. Acredito que a decisão de publicar estes apelos tenha sido a melhor e que ela possa traduzir uma real preocupação com a situação actual do país e também uma preocupação com as dificuldades que muitos cidadãos têm hoje. Porém, nem a forma nem o conteúdo foram os melhores. Seria interessante poder aferir a prosa com a realidade. A Auto Motriz tem, enquanto empresa, um vasto campo de responsabilidades sociais próprias. Publique, quando entender oportuno, um anúncio que dê a conhecer o seu bom exemplo. Diga que emprega não sei quantos trabalhadores, aos quais são garantidos todos os direitos laborais. Diga que tem uma política de empresa que garante aos seus trabalhadores uma condição material acima da média. Diga que os seus trabalhadores beneficiam de acções de formação e valorização profissional. Diga que os trabalhadores têm todos os seus direitos assegurados, nomeadamente os sindicais. Diga que essa empresa desenvolve práticas activas de conciliação da vida familiar com a vida profissional. Diga que essa empresa emprega imigrantes em pé de igualdade com os cidadãos nacionais e que esses não são utilizados como mão-de-obra barata. Diga que essa empresa tem uma prática solidária através do apoio a instituições de solidariedade na zona onde desenvolve a sua actividade. Se disser tudo isto, mas sobretudo se o fizer, já está a contribuir muito para a melhoria da sociedade portuguesa, muito mais do que aquilo que fez com a publicação deste inenarrável texto.

2008/03/22

CPCJ LOURES




A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco de Loures tem apresentado o seu relatório periódico à Assembleia Municipal?



Ou o Carlos Teixeira tem-se esquecido desse assunto?



Será porque em Loures não existem crianças e jovens em risco?

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO




O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LOURES, presidido por Carlos Teixeira, não reúne desde a Primavera de 2007.
Esta ausência de reuniões dever-se-á ao facto da Educação não ser um tema de interesse nos dias que correm e talvez porque em Loures está tudo a correr bem.

Ou será porque o Presidente da Câmara Municipal de Loures, eng. Carlos Teixeira, não pesca nada do assunto?

E será que na Assembleia Municipal não haverá ninguém que pergunte ao Presidente da Câmara Municipal de Loures, eng. Carlos Teixeira, porque não cumpre a lei ao não convocar o Conselho Municipal de Educação, pelo menos uma vez por período escolar? ( Já falharam 3).

ONDES ANDAS TU MARILU?

123 parágrafos, 467 linhas, 3 377 palavras, 17 621 caracteres sem espaços e 20 957 caracteres incluindo espaços que os palacianos não escrevem sobre o Carlos Teixeira.

SUPER COLA



EM DEFESA DAS POPULAÇÕES



"Em Março de 2007, fez ontem um ano, os vereadores da CDU apresentaram uma proposta na reunião da Câmara de Loures que, face ao preocupante aumento da criminalidade naquele concelho e particularmente na Freguesia da Apelação, visava a cedência de instalações para um destacamento da PSP no Bairro da Quinta da Fonte, sem prejuízo da construção da prevista esquadra de Camarate, o pedido de uma reunião com o ministro da Administração Interna, para que aquele destacamento fosse dotado dos necessários meios humanos e ainda para que fosse constituído um grupo de trabalho multidisciplinar, para avaliar a situação e apresentar um plano de intervenção capaz de responder aos problemas de integração social de grande parte dos moradores do já referido Bairro da Quinta da Fonte, local onde os problemas de insegurança eram mais sentidos.A maioria socialista rejeitou, sem apelo nem agravo, esta proposta.Em Junho, e perante um crime em que um jovem foi assassinado, a Comissão Concelhia do PCP lançou um apelo às populações do concelho, particularmente daquela freguesia, e de Camarate para que se mobilizassem em defesa da sua Segurança.Não era, como não podia ser, nenhum apelo à autodefesa, mas antes um alerta para a necessidade de, face à intolerância do Governo e do Município de Loures, as populações exigirem medidas de facto para enfrentar decididamente este problema.Em Maio, o deputado do PCP António Filipe chamava a atenção para o facto de o Relatório de Segurança Interna de 2006 apresentar, não só um aumento da criminalidade, contrariando os dois anos anteriores, mas também para o facto de esse aumento ter, nas áreas urbanas de Lisboa, Porto e Setúbal, valores superiores à média nacional.Estamos hoje, de novo, confrontados com notícias de violência. Casos pontuais mas que, pelo seu impacto mediévico, preocupam e alarmam as populações.Importará portanto assinalar dois aspectos.O primeiro é o de que estes índices de criminalidade não estão desligados do aumento das dificuldades das populações, do desemprego, das injustiças sociais, das bolsas de pobreza, que contrastam com a opulência dos lucros do capital financeiro e, em particular da banca. Eles são um dos sintomas do fracasso desta política que empurra para o desespero largas camadas da população. Eles são um cabal desmentido do fausto com que o PS tentou comemorar os seus três anos de governo.O segundo é o de que estes problemas não se resolvem sem mais meios e mais agentes na rua, próximos das populações, em contacto com as diversas realidades. Estamos hoje a pagar o preço das superesquadras, da concentração de efectivos, em que o PS insiste, do desinvestimento e da falta de meios.É necessário que o Governo e o Município de Loures escutem as propostas apresentadas. Ali e em inúmeras outras localidades do país. Enquanto é tempo."


João Frazão , Dirigente do PCP
Texto e fotografias publicados no Jornal de Notícias

2008/03/21

OS FILHOS


pintura de Zilda Zanella



Nem os amanheceres de luz turva e baralhos,
Nem a amêndoa de Deus escondida entre livros,
Nem a dúvida, serpente cartesiana sem tréguas,
Nem o colmilho frenético do lobo, irmão lobo!,
Nem o sorriso enfático do símio, avô símio!,
Nem as clareiras abertas pela morte em meus bosques,
Nem as pedras bem vivas de antigas catedrais,
Nada abateu meu rumo com igual brisa. Nada

verteu em meu sangue fervente tanta púrpura. Nada
libertou de limites minha matéria finita,
tornou em fibra de antena minha crédula indolência,
me cercou de temores da imprevista entorse
do azar destrutivo, das complexas máquinas.
Nada me convenceu eu ser substância perdurável,
Clamor de rio que corre para lá da morte.

Nada me deu esta fórmula de amar sem outro anseio
Senão amar.
Somente os filhos.

Miguel Otero Silva, Venezuela, 1908-1986

É URGENTE A POESIA




Desde ontem que tem vindo a abrir todos os noticiários, o vídeo de uma cena escabrosa de uma aula de Francês.
Muitos entendidos têm manifestado o seu repúdio e dado as mais diversas opiniões. Da pontualidade do caso, da perturbação da aluna, da culpa dos telemóveis…
E dentro de muito poucos dias ninguém mais falará do caso.
E as escolas continuarão num crescente de indisciplina, de desrespeito, de vazio de aprendizagem.
Porque as tão faladas reformas não reformam as estruturas da nossa educação. Vão tentando colocar uma camada de tinta sobre os grafitis da indignação.



As escolas, os professores, todos nós, precisamos de reformar as escolas. Torná-las locais dimensionados, onde se possam estabelecer relações de afecto, de co-responsabilidade, de aprendizagem, de criatividade, de inovação, de prática de cidadania. De cultura.



Escolas pequenas, com professores em número suficiente, com técnicos da área da psicologia. Turmas pequenas ou grandes, trabalhando em pequenos ou grande grupo, mas com apoios de professores adaptados às necessidades dos que a compõem. Regras bem definidas. Entendimento comum de que as crianças e jovens estão na escola para estudar, para aprender. E que quem está preparado para orientar esse processo são os professores. Não são os pais. Os pais educam e apoiam as aprendizagens em casa. E deverão contribuir, com a sua participação nas estruturas próprias, na definição das linhas orientadoras do projecto daquela escola. E chega. O resto é para os técnicos.

Os sinais de que nas escolas é cada vez mais difícil estudar, ensinar e aprender, têm surgido recorrentemente.
Muitos professores se queixam de que perdem grande parte das suas aulas a tentar controlar as turmas. Passar um intervalo numa qualquer escola dos 2º e 3º ciclo poderá ser uma surpresa para muitos, um abanar de princípios que julgávamos inabaláveis. A vontade de dar uns valentes pares de estalos aos meninos malcriados que por ali passeiam a oportunidade de serem aceites pelos líderes do pátio, que revelam já uma potencial marginalidade futura, faz-nos crer que é urgente, urgentíssimo tratar deste assunto.
O ataque à Escola Pública é aqui que tem o seu campo minado.

Porque eu acho possível, necessário, que nas escolas se leia poesia.

GANCHO





fotografia: R.C.


O senhor António Gancho viveu toda a vida numa porta giratória, girava e via apenas aquilo que se cruzava com ímpeto na sua mente. O senhor António Gancho não brincou com a vida, mas sim na vida, lançou os dados nas suas alucinações, as regras não existiam, só delírios poéticos. O senhor António Gancho era poeta e vivia numa casa de loucos, vulgar e ironicamente chamada de saúde. A porta girou tantas vezes que agora era a casa do telhal que estava dentro do senhor António Gancho. O mundo inteiro vivia dentro dele e deixou de ter uma forma esférica para adoptar a humana. Um novo continente, gancho em forma de mão. Poema com a palavra António. António Gancho. Poeta. Louco. Eternamente na porta giratória.

QUANDO VIER A PRIMAVERA



Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro

2008/03/20

POEMAAR


Francisco Goya
dois velhos comendo
1820-23


Queria respirar o oxigénio de um poema
e saber mexer os dedos como um
verso incompleto.
Quantas palavras medem uma melodia
quando estamos em silêncio?
Adormeço sem respostas,
procurando ser poeta num qualquer
sonho.

Deixei de falar e esqueci todas
as palavras,
enterrei-me no solo mais árido
e ceguei com o sol perseguindo
o voo de um falcão. R.08/



AO SENHOR MINISTRO DA CULTURA



Este será mais um ano em que quem nos visita, nestas mini-férias da Páscoa, encontrará os Museus encerrados. Num país que quer fomentar o turismo e descolar-se da imagem exclusiva do turismo de sol e praia, não deixa de ser caricato que se mantenha esta péssima tradição.

Mais uma vez os lisboetas, que ficarem pela cidade, passarão os dias a explicar: "Os noestros museus estãn cerriados no fim de semiana da páscoa. Já fuerem a Belém? Muito guapo e há pasteles!" Safa-nos o facto de todos os portugueses falarem Castelhano tão bem como o nosso Primeiro Ministro.


POR UMA VIDA MELHOR






Fotografias inéditas sobre a emigração portuguesa em França nos anos 50 e 60.
ABERTO TODOS OS DIAS ENTRADA GRATUITA
"O «salto». Parte-se em silêncio, às escondidas.
Parte-se usando todos os meios de locomoção imagináveis, mas sobretudo a pé.
As fotografias de Gérald Bloncourt que aqui mostramos retratam um período difícil da história portuguesa: a emigração de quase um milhão de pessoas, oficial ou clandestina, em direcção a França.
Ele próprio exilado, após ter sido expulso do Haiti onde vivia com seus pais, Gérald Bloncourt (nascido em 1926) permaneceu sempre sensível ao sofrimento do estrangeiro num país que não é o seu. Colaborando na La Vie ouvrière e no L’Humanité, trabalhou com e sobre a comunidade portuguesa, estabelecendo relações com os operários, que permitiram que partilhasse da sua vida quotidiana. As suas fotografias constituem um testemunho insubstituível da realidade destes anos 1950 e 60 para todas estas famílias despedaçadas que a França não soube acolher.A imprensa francesa, por diversas vezes, demonstrou-se aliás indignada com as condições de vida e de trabalho de todos estes estrangeiros, amontoados na periferia das grandes cidades. Nos quiosques, marcavam presença nos títulos das primeiras páginas dos jornais diários, bem como em artigos de fundo no Le Monde, Le Figaro, France-Soir, entre outros. Criavam-se associações que se mobilizavam em seu auxílio, como a do abbé Pierre: liam-se as mensagens da Association de soutien aux travailleurs immigrés (Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes), assumindo a defesa de Albano, um operário português que havia morrido num acidente, a fim de ajudar a família e de denunciar os abusos de que tinha sido vítima.
Também os escritores, com a sua cólera e as suas palavras, descreveram o desespero destes trabalhadores. Em Portugal, a maioria dos livros que abordavam o assunto eram proibidos logo que viam a luz do dia. Foi o caso de Waldemar Monteiro (As Histórias Dramáticas da Emigração, 1969) ou Nuno Rocha (França, a Emigração Dolorosa, 1965) embora, curiosamente, o romance de Nita Clímaco (A salto, 1967) tenha sido difundido com sucesso.
Um curto documentário de José Vieira, ele próprio emigrante em França, Les Années de boue (Os Anos da Lama) realizado para a exposição, bem como o seu filme La Photo déchirée (A Fotografia Rasgada) (2002, 52’, produção La Huit) vêm completar o intuito agridoce de Gérald Bloncourt, fotógrafo humanista e militante."

2008/03/19

MINOTAURO DERROTA TESEU




imagem: melencholia.blogspot.com

Intrinsecamente todo o Homem é mau. Com uma espada na mão todos matam, com uma vacina na outra poucos salvam. O homem é corruptível porque sofre de cupidez e ambiciona sempre o trono da fortuna.
Com muita frequência falamos de corrupção e acusamos sem provas os nomes que todos avançam, mas seremos nós impolutos para julgarmos? Nem sempre as notas quer nos oferecem subtilmente forram convenientemente os nossos telhados de vidro. Somos todos corruptíveis.
A propósito deste assunto, recomendo o último livro que li, “O homem que corrompeu Hadleyburg” (ed. Assírio & Alvim) de Mark Twain. O autor americano disserta sobre corrupção, avareza e ambição, e como osmose destes três traços, a loucura que destrói a essência humana quando tudo muda e a pessoa deixa de contar cêntimos para acumular milhões.
Assim aconteceu em Hadleyburg, considerada a incorruptível e símbolo máximo da virtude.
Em Creta o Rei Minos pediu a Dédalo a construção de um labirinto para conter o Minotauro. Porém, após a morte de Androceu – filho de Minos – às mãos dos atenienses, o Rei declarou guerra a Atenas e como vingança possível, proclamou o sacrifício de catorze adolescentes atenienses, sete rapazes e sete raparigas. Este sacrifício servia unicamente para alimentar o ódio de Minos e não para vingar o filho. Obviamente os catorze jovens acabavam devorados pelo Minotauro.
Todavia, no livro de Mark Twain não existe um Teseu que derrota o homem-touro e todos os cidadãos são devorados pela ganância e pela ambição dos dólares, o dinheiro é o Minotauro de Hadleyburg e o Rei Minos o forasteiro que procura vingar-se de tão ínclita povoação. Os dezanove ilustres de Hadleyburg são corrompidos pelo brilho do ouro, humilhados e finalmente tomados pela loucura, morrem na vergonha de terem cobiçado e mentido para atingirem a fortuna.
Na célebre rubrica de Lauro António vi um filme – A Visita (1964) – de Bernhard Wicki com Anthony Quinn e Ingrid Bergman. A talentosa actriz deseja vingar-se de Quinn, tudo porque este trocou-a na juventude. A visita mortífera oferece em troca da morte de Quinn dinheiro, automóveis, electrodomésticos e jóias, despoletando uma irónica e desesperada caça ao homem. Anthony Quinn procura salvar-se com palavras e amizade, mas vizinhos e amigos já estavam corrompidos pelos bens materiais.
No fim de contas, todas as histórias têm Minotauros, Reis Minos, Dédalos e Ícaros, mas poucas contam com o auxílio de Teseus.
Somos corruptíveis e somos humanos.

EM FRASCOS NÃO. EM LATINHAS.




Excelso Marquês, o Vereador do Ambiente em Loures, também leu a notícia e está profundamente entusiasmado com a descoberta, mas também atento ao alerta feito no que respeita à necessidade de se tomarem medidas conducentes à conservação desta recém descoberta espécie. A partilha desta preocupação com o executivo municipal resultou no mandato que foi dado ao Vereador responsável pelas Actividades Económicas para o estabelecimento de contactos com empresas do sector conserveiro.
A Câmara Municipal encara com grande expectativa a possibilidade de Loures se vir a tornar internacionalmente conhecida pela produção de um produto único no mundo. Latinhas com os verdadeiros “Peixinhos da Horta”, boguinhas em azeite virgem…

HÁ VIDA NO TRANCÃO... POR ENQUANTO!




Pequena boga ganhou 'olisiponensis' (de Lisboa) no nome

"Quando era miúdo, David Santos ia com os amigos ao rio Trancão, em Santo Antão do Tojal, Loures, onde vivia, apanhar peixinhos que depois mantinha em aquários. Não podia imaginar nessa altura que, duas décadas mais tarde, e já biólogo, esses peixes com apenas 10 centímetros se transformariam para si e para Hugo Gante e Judite Alves, também biólogos, numa experiência única e emocionante: a descoberta de uma nova espécie. Para mais, numa região de grande densidade populacional e num rio com altos índices de poluição e pressões ambientais, onde à partida ninguém pensaria que ainda fosse possível fazer uma achado assim.Por isso e, um pouco em homenagem à zona onde vive esta espécie, os três biólogos chamaram-lhe Chondrostoma olisiponensis - boga de Lisboa, de seu nome comum -, e publicaram o achado na revista científica norte-americana Zootaxa, em Setembro de 2007.

"Descobrir uma nova espécie é algo muito especial, porque o nosso nome fica para sempre ligado a ela, e é emocionante porque conseguimos identificar uma realidade que outros ainda não tinham percepcionado como nova", explicou ao DN Maria Judite Alves, investigadora do Museu Bocage (Departamento de Zoologia), do Museu Nacional de História Natural, e uma das três autoras da descoberta. "Esta é uma boa novidade, sobretudo num momento em que diariamente há notícias que dão conta da extinção de espécies por todo o planeta", sublinha a bióloga e especialista em peixes de água doce.Este achado acaba por ser surpreendente, numa região com grandes problemas de pressão ambiental e urbanística. Por isso, há também uma "má notícia", adianta Judite Alves. "O futuro da espécie não é risonho, se as poucas zonas onde conseguimos encontrá-la não forem alvo de um plano de conservação para a sua preservação", alerta a bióloga. Um peixinho diferenteA história desta descoberta começa mesmo com os aquários em que David Santos, ainda criança, mantinha os peixes pequeninos que apanhava no Trancão.

Mais tarde, já estudante de biologia e amigo de Hugo Gante, seu colega de curso, foi disso que se lembrou quando precisaram de fazer um trabalho sobre espécies de água doce para uma das cadeiras do terceiro ano, em 1998. "Sabia que havia peixes naquela zona do rio e fomos até lá para apanhar alguns", lembra David Santos.Hugo Gante, então com 20 anos e já nessa altura interessado pelo estudo de peixes de água doce (está agora a fazer o doutoramento, justamente nessa área), percebeu logo que aquele era diferente do que deveria ser. "Estivemos a tentar classificá-lo, utilizando as chaves dicotómicas e não conseguimos. Aquele não batia certo com nada", conta Hugo Gante. Os peixes acabaram por ficar conservados em frascos, Hugo e David prosseguiram os estudos de licenciatura - "não tínhamos nessa época maturidade científica para avançar com aquela investigação", concordam ambos - e a vida prosseguiu. Mas a oportunidade acabou por ir ter com eles. Concluída a licenciatura em 2002, Hugo Gante foi trabalhar num projecto sobre barbos com Judite Alves, no Museu de Nacional de História Natural, onde a bióloga já estava há uma ano.

O peixe "inclassificável" foi tema de conversa e, à margem dos seus trabalhos de pesquisa centrais, os três biólogos decidiram investigar a questão a sério. Em 2004, foram para o terreno fazer prospecções no Trancão e noutros afluentes da margem direita do Tejo e fizeram análises genéticas aos peixes recolhidos em 1998. Paralelamente, e aproveitando o facto de o Museu Bocage ter uma colecção de peixes de água de doce, foram à procura de exemplares idênticos que pudessem estar ali guardados.

Os resultados foram todos no mesmo sentido. Conseguiram recolher indivíduos da espécie no Trancão e na ribeira de Rio Maior, um pouco mais a Norte, e as análises genéticas confirmaram o que avaliação morfológica já indiciava: que aquela ela era de facto uma nova espécie ainda não classificada. Na colecção do museu encontraram também dois exemplares que estavam etiquetados como Chondrostoma (boga) "e depois com pontos de interrogação", conta Judite Alves. O estudo que os três fizeram já permitiu reclassificá-los como aquilo que realmente são: Chondrostoma olisiponensis. Resta esperar que a espécie mereça os cuidados de que precisa para não desaparecer. Senão, prevêem os biólogos, no futuro "só existirão exemplares nos frascos do museu".
in, Diário de Notícias, 15 Mar. 2008

2008/03/18

BELA




Bela
esta manhã sem carência de mito,
e mel sorvido sem blasfêmia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Humidade de areia adere ao pé,
engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

"Canto Esponjoso"

AS REFEIÇÕES ESCOLARES




A espiral de delírio do Presidente da Câmara é tão grande, que já me tinha esquecido do problema das refeições nas escolas.

Se bem que não me pareça que as refeições venham a ser substituídas por rações militares, este episódio é exemplificativo do tipo de gestão que o município tem neste momento.

Em dois momentos, a Câmara Municipal foi alertada para problemas relacionados com a qualidade das refeições fornecidas e, num deles, também sobre as condições existentes em algumas escolas. É verdade que existem queixas relativas à qualidade e à quantidade fornecida. Nem sempre as capitações são as adequadas. Pelo menos numa escola, é verdade que a louça das refeições estava a ser lavada em casas de banho. Este facto não foi negado.

Perante estes alertas, invariavelmente, o Presidente da Câmara optou por dizer que ele próprio já tinha almoçado em escolas e que o comer era bom, mas que ele tinha sido educado a comer sempre o que lhe punham pela frente, que houve quem fosse com ele almoçar e que não comeu porque não gostava de hamburguer.

O maior problema não reside no facto de existirem situações como as que foram relatadas nos alertas feitos, mas sim o facto de a Câmara Municipal, que contratou o fornecimento de milhares de refeições a empresas privadas, não ter criado um sistema interno de aferição sistemática da qualidade do serviço prestado.

Num caso destes, a verificação da qualidade do serviço não pode ficar dependente da “chegada de informações” à Câmara. Tem de existir uma monitorização constante.
Com interlocutores razoáveis, o alerta teria suscitado as seguintes respostas:

a) Não é verdade, temos um esquema de acompanhamento que nos garante a qualidade do serviço.

b) Vamos aferir as situações relatadas e criar um esquema de acompanhamento que nos ajude a prevenir ocorrências destas.

Porém, as respostas foram uma sucessão de disparates. Enquanto se insiste neste caminho, as acções concretas e necessárias ficam por realizar.

2008/03/17

PRESIDENTE DA CÂMARA DEFENDE DISTRIBUIÇÃO DE RAÇÕES DE COMBATE NAS ESCOLAS DE LOURES




O Presidente da Câmara Municipal de Loures, farto de ouvir críticas à qualidade, ao tipo e às condições em que são preparadas a refeições escolares em Loures, decidiu-se por uma medida radical. Vai suspender todos os contratos de fornecimento refeições e estabelecerá um acordo de fornecimento com exército português para o fornecimento de rações de combate.

Com o tempo, começou a aborrecer-se com os adjuntos que não gostam de hamburgueres, com as secretárias que não gostam de bacalhau com natas por causa das dietas, com a oposição que não acha bem que a louça seja lavada em casas de banho.

Para acabar com tanta chatice lembrou-se dos seus tempos de pupilo do exército em que ninguém se queixava do comer, porque ninguém percebia bem o que vinha no prato. Era comida cinzenta mas muito nutritiva. Ora bolas, o que não mata engorda, fartei-me de comer coisas estranhas na tropa e não sou propriamente um trinca-espinhas, não é num restaurante qualquer que se encontram azeitonas que se mexem e que são crocantes e sumarentas, até deve ser uma coisa gourmet, desabafou o Presidente depois de na última Assembleia Municipal ter sido novamente debatido o assunto.

Assim, muito em breve começarão a chegar às escolas as primeiras remessas de doses individuas de carne desidratada, batidos de vitaminas e sais minerais, cápsulas de óleo de figado de bacalhau e outras coisas saudáveis, mas bastante sensaborosas.

Segundo percebi pela conversa da senhora do café, onde toma o pequeno-almoço uma auxiliar, que é amiga de um colega da varrição, que às vezes vê uma administrativa, que se cruza de vez em quando com um motorista de um veredor da câmara, o Presidente da Câmara entende ainda que esta sua medida tem outras virtudes, além do fim do queixume. Este tipo de refeições enquadra-se no ambiente bélico em que vivem algumas escolas de Loures, os rapazes tornar-se-ão fortes, veja-se os soldados americanos no Iraque, mas o mais importante é que estas refeições podem ser remetidas aos Presidentes das Juntas de Freguesia, que têm ficado sem almoço, sempre que o Presidente da Câmara decide visitar as escolas e convida os autarcas locais só depois de já se ter alambazado com as entradas.

2008/03/16

O HOMEM DAS LINHAS TORTAS





foto: R.C.


‘X’ marks the spot, diziam piratas e espiões. ‘M’ incriminava o assassino no filme de Murnau – M, Matou – e desvendava-o perante uma sociedade atemorizada. ‘X’ juntava-se a repórter e tínhamos o Repórter X, como criou Reinaldo Ferreira o seu pseudónimo literário e jornalístico.

Aventureiro e criativo, Repórter X inventou entrevistas (Conan Doyle e Mata Hari), fingiu-se correspondente na Rússia, embora nunca tenha carimbado o seu passaporte com o símbolo dos Sovietes. Num estilo Orsen Wellesiano escreveu um artigo descrevendo um incêndio terrível na Estefânia, um fogo posto resultado de um mal-entendido, não fazendo lembrar A Guerra dos Mundos, mas pelo menos o estilo começava a esculpir-se.

Um dos aspectos mais relevantes em Reinaldo Ferreira é ter sido um dos primeiros – o primeiro? – a introduzir a espionagem como tema da arte portuguesa. Este lado policial encontramo-lo em obras como “O homem que perdeu o cérebro” (ed. Rolim) ou no filme de Leitão de Barros “O homem dos olhos tortos”, recentemente restaurado e exibido pela Cinemateca Portuguesa. Ambos os trabalhos são produtos fantásticos que nos cativam pela criatividade e capacidade de trama – no sentido latino, tecer/ligar acontecimentos – histórias que nos conduzem para Lisboa desaparecida e misteriosa, personagens de sobrolho franzido e chapéu enfiado até ao nariz. Ou mais moderno, uma espécie de Blockbuster actual. Nada falta a estas duas obras, nem sequer um lado experimental que aproxima-se muito dos experimentalistas dos anos 50 ou 60. A estética arrojada e lançada para um caminho que só poderia conduzir a um lado genial e mítico. A medida temporal das palavras de Reinaldo Ferreira são controladas com precisão, uma ampulheta que impede a criação de novas palavras quando o último grão de areia passa no estreito canal.

Apenas existe uma lacuna em Reinaldo Ferreira: Leitores e espectadores. Podia sintetizar as duas obras acima citadas, mas como a narração seria feita com paixão e por certo desvendaria todo a história, prefiro que a procura e descoberta sejam individuais.

A sua vida é pouco conhecida, muitos mitos e histórias são contados, o seu percurso é efabulado como uma personagem ficcional e apenas um romance contaria a sua verdade.

“Reinaldo (de realidade) e Ferreira (de ficção)” nasceu em Lisboa em 1897 e morreu na mesma cidade em 1935.