Continua para mim, que não sou de cá, a ser um espectáculo surpreendente, digno de uma película de Fellini, não fosse o caso dele já não se encontrar entre os vivos.
Um deputado interpela o presidente da CML, sobre um problema de um curso de água que está a ser aterrado, apresentando-lhe factos a necessitar de esclarecimento sobre a actuação da CML. Diz ser esta a quarta reunião em que apresenta o tema.
O presidente acusa os elementos da bancada do tal deputado, de usarem palas e depois diz umas coisas que ninguém entende, que vale mais ser lebre que burro, ou que as lebres chegam primeiro que os burros… E que vai fazer um referendo!?:..
Um rapazito tolo, com uma grande gravata, gesticula, elogia o presidente, diz que está farto daquela conversa, que não é preciso perguntar as coisas tantas vezes, que ele é tão bom, fala tão bem.
O vereador mais novo do mundo está estarrecido, não é que o da gravata fala tão bem, nem gagueja nem nada. De boca aberta, inveja aquela ilustre prestação.
Enquanto isto, uma balzaquiana recentemente chegada das dietas do celeiro, exibe os resultados através de uma saia castanha saltitante que absorve os olhares.
Um presidente de junta dado a construções, brinca com um barquinho de papel que docemente coloca na cabecinha oca da companheira de bancada. Por trás um homem invisível pavoneia o seu fato encarnado da Gant, comprado na contrafacção, e sente-se tão elegante que nem consegue seguir o circo.
Na outra bancada um deputado grande, de cabeleira farta e sedosa, empunha um cachimbo recém-adquirido e lança olhares à saia castanha, enquanto conta os votos que acabou de comprar. Abre a boca e fala de uma festa de há quase trinta anos que os comunistas fizeram em Loures e dos prédios que existem agora no mesmo local, insinuando fantasmas, os mesmos que lhe têm ensombrado a vida.
O presidente fala outra vez, ninguém o percebe, quase todos concordam e dizem que o fato é lindo.
Mas a mim pareceu-me que o rei vai nu.