2008/04/27

NA CASA DO VIZINHO X




Muito se tem falado do alheamento das novas gerações em relação aos valores da cidadania. Isso é bem verdade. Em vez de divagar sobre o tema, o Palácio optou por chamar ao seu salão nobre o texto de uma jovem de Loures. O texto pode ser encontrado também aqui.




"Na passada sexta-feira, Portugal comemorou 34 anos de Liberdade. 34 anos volvidos, todos questionam a verdadeira importância da Revolução dos Cravos: um grito de liberdade? Uma revolução? Um ponto de viragem na História de Portugal? O símbolo da revolta contra o regime ditatorial? Um momento de união em torno da defesa dos direitos do Homem?
34 anos depois, há quem não saiba o que foi o 25 de Abril. 34 anos depois, há quem nem saiba o nome do primeiro-ministro. 34 anos depois, há também quem não vote. 34 anos depois, há até quem diga que “isto era melhor era no tempo de Salazar”, mesmo que não tenha conhecido esse “tempo”. 34 anos depois, Portugal vive mergulhado na agradável e fácil desinformação política, vidrado nas montras dos centros comerciais. Afinal, qual é a cor da liberdade?

Para nós, jovens, a liberdade sempre foi mais do que um sonho. Encaramo-la como um gene que trazemos desde que sentimos o Mundo, pela primeira vez. Não é nada que possamos perder, como o dinheiro e, talvez por isso, para muitos o dinheiro é mais importante. A liberdade não compra nada, o dinheiro pode ser trocado por telemóveis, computadores ou PDA. Os pais, em casa, dizem aos filhos que o dinheiro custa a ganhar… E a Liberdade, quanto lhes custou a Liberdade? Custou vidas, custou sonhos, custou casamentos, ambições. A Liberdade custou fugas, desencontros; custou palavras em silêncio. A Liberdade custou dores, gemidos, humilhações públicas.
Foi pela Liberdade que muitos filhos ficaram órfãos, muitas mulheres ficaram viúvas.
Foi pela Liberdade que nasceram heróis, de palavras tímidas, mas convictas, que faziam das lutas poesia cantada.

No dia 25 de Abril de 1974, todos os heróis saíram às ruas, convidaram o povo a cantar, com eles, Grândola, Vila Morena, abriram as portas das casas e dos corações à Liberdade, distribuíram conforto, paz, segurança, felicidade e direitos, um pouco por todo o País.
Graças a eles, hoje, todos os partidos políticos são legais, a saúde e o ensino são acessíveis a todos, há um ordenado mínimo nacional, que garante que todos tenham as “condições mínimas de vida”. Graças a eles, hoje, podemos manifestar-nos, podemos reivindicar os nossos direitos.
No entanto, parece que aquela sede de mudança inicial, assim que satisfeita, esfumou-se, ficou reduzida a umas quantas leis e a um saudosismo que tem expressão apenas quando há eventos comemorativos do 25 de Abril. Porquê?
Porque as pessoas foram fortemente modeladas pelo regime repressivo, estavam educadas para se comportarem segundo modelos rígidos que lhes impunham parâmetros. De repente, Portugal era livre, o seu povo era livre. A Liberdade foi encarnada, a Liberdade era o mito de sermos donos de nós mesmos, o que, legitimamente, nos levava a comportarmo-nos como donos de nós mesmos. Mas, não, a Liberdade é um conceito da democracia e da cidadania que não nos foi, nunca, ensinado.
Liberdade, para a maioria das pessoas, passou dum conceito vago, abstracto e utópico, para palavra de ordem, num só dia.

Como a Liberdade, certamente confundida com libertinagem, deu origem a uns quantos problemas de vizinhança, imediatamente a seguir ao 25 de Abril, nós, portugueses, como bons “desistidores” que somos, demitimo-nos do nosso papel de cidadãos. E, ainda hoje, adoramos dizer que “isso de política não é connosco”, é, claro está, com aqueles que se sentam nas cadeiras do Parlamento. A parte deles serem eleitos por todos nós fica com cada um, que é essa a única razão para o voto ser secreto.
É por isso que, 34 anos depois, se ouve questionar a importância do Dia D. É, aliás, por “dois issos”: o primeiro “isso” é o próprio 25 de Abril porque, antes dele, não nos era permitido questionar nada; o segundo “isso” é a falta de educação política/para a cidadania.
Levantemos, então, a cabeça e lutemos, sem armas, para repor a Liberdade como o centro, o motor da Democracia. Exerçamos os nossos direitos, cumpramos os nossos deveres.

É necessário, de igual forma, que o Estado seja capaz de encarar esta situação de hibernação política profunda como um ponto de viragem. Assim, cabe, não só às famílias fomentar a opinião crítica em relação aos problemas da actualidade, mas também à Escola e aos órgãos de comunicação social, na medida em que são transmissores de informação e valores sociais.

A Liberdade tem a cor dos nossos olhos, tem a força das nossas mãos e há-de ter asas, se nós quisermos voar."

Cátia Terrinca


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