2009/11/22

"A SOMBRA DO QUE FOMOS"


O encontro com o passado é o mais exigente de todos os exercícios. Porque o passado, digerido, amaciado, burilado e comprimido pelos cilindros da memória daqueles a quem deixou marcas dolorosas, é sempre uma sombra, um pálido reflexo do presente que já foi.
“A sombra do que fomos” de Luís Sepúlveda é um desses exercícios.
O encontro de quatro antigos companheiros, “golpeados” em 1973 pela acção militar de Pinochet, para uma última operação “revolucionária” é o mote para o reencontro com um passado interrompido no momento em que este se mobilizava para um outro futuro.

2009/11/18

HUMANAS PERPLEXIDADES

Quando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana , os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem." (Sartre)


Se Saramago não tivesse sido económico na escolha do título para o seu último romance “Caim”, poderia ter adoptado “Humanas Perplexidades”. Este seria o título que eu encontraria para o texto, se ele me tivesse sido dado a ler sem baptismo prévio.Acompanho a escrita de Saramago há muitos anos, ainda antes do tal Nobel. Poucos foram os livros que não li e alguns mereceram a minha reincidência, caso de “Levantado do Chão”. Por isso, “Caim” era-me previsível, antevia já o seu conteúdo, Deus e a sua relação com a humanidade são presenças frequentes nas estórias criadas.

O que se escreveu e afirmou sobre o livro e o seu tema, confirmava-me a expectativa.
Li-o agora.

Dei o tempo por bem empregue. Magistralmente escrito, é talvez um dos mais límpidos e directos textos que li do autor. O permanente diálogo e a sucessão de estórias dentro da estória resultam numa narrativa fluida e fácil.Importa, para se conseguir ler este texto e aproveitá-lo nos seus detalhes, possuir cultura bíblica. Um conhecimento prévio das “estórias” bíblicas dos primeiros livros ajuda a situar a narrativa.

Caim, julgado e condenado por Deus, transforma-se, ao longo da estória, no juiz dos actos de Deus. Caim é, neste particular, uma personagem anacrónica. Possui, por assim dizer, um quadro de valores humanista, questionando Deus pelas arbitrariedades que este comete, algo que mais nenhuma personagem bíblica faz. Caim poderia ser um manifestante antiguerra, que questiona a morte de inocentes no bombardeamento moderno de uma cidade como punição dos seus governantes. Fá-lo a Deus, o Senhor da Guerra, que dizima Jericó e elimina Sodoma e Gomorra. Que dá indicações precisas de como dividir os saques resultantes, contabilizando a sua parte.

Mas este anacronismo de Caim encerra outra afirmação. Aquele é o Deus daquele tempo, da infância do Homem, pouco complexo, caprichoso e cruel. Tão cruel e guerreiro como Josué. Mas como poderia o Deus de Josué não ser guerreiro e saqueador, se ele o era. Como poderia o Deus de Moisés não ser libertador e vingativo se Moisés queria libertar o seu povo e vingar o seu opressor.

Como poderia Deus ser, em cada tempo, diferente daqueles que nele se projectavam?Deus é uma ideia histórica e evolui historicamente ao lado do seu criador, sendo por isso capaz do melhor e do pior, tal e qual qualquer homem...

2009/11/16

POLÍTICA E MERITOCRACIA



Deambulando pela internet, encontrei este texto:

“Era uma vez um menino, filho de um presidente de uma junta de freguesia em Loures, que andava constantemente a ser expulso de escolas e liceus, e que nunca fez nada na vida.O pai, antigo varredor de ruas, agarrou-se à política, criou o seu séquito na sede local do partido onde 'vivia' de segunda a domingo, chegou a presidente de junta e um belo dia conseguiu negociar apoios com o candidato do seu partido à Câmara Municipal em troca de um lugar de vereador para o seu filho... algo que foi conseguido há muito pouco tempo.Eis um belo - e real - exemplo da política à portuguesa e de como a meritocracia é guardada na gaveta, sobrepondo-se a esta o nepotismo.Acrescente-se que esse jovenzinho, que talvez nem o 12.º ano tenha completado, chega assim a vereador de uma das principais autarquias do país.”

O texto refere-se ao novo Vereador da Câmara Municipal de Loures, eleito nas listas do PS, Ricardo Jorge Monteiro Lima, filho do Presidente de Junta de Freguesia de Moscavide. Desde já deixo claro o seguinte; ainda não conheço o novo Vereador, nem pude sequer avaliar os seus méritos. Se foi bom ou mau aluno tampouco sei, e é claro que um varredor pode aspirar a qualquer cargo electivo. Faço a ressalva, porque não é necessário ser injusto e incorrecto.

Contudo, há aspectos subjacentes a este texto que merecem alguma atenção.
Recentemente, em vários órgãos de comunicação social, surgiram notícias sobre a nomeação de parentes de eleitos do PS para a estrutura municipal, gabinetes, essessorias e secretariados. Isso tudo é verdade, mas também é verdade que tal ocorre, porque no seio das próprias estruturas partidárias essa “familiarização” e “apadrinhamento” já aconteceu. Assim, a distribuição de beneces de modo equitativo entre os vários clãs é um cimento unificador. Ou seja, enquanto houver para todos e a todos se der algo, não existem descontentamentos, pelo menos partidários.
Já em tempos aqui falei disso. Quem conhecer com alguma proximidade a vida da Câmara Municipal de Loures, conhece todos estes aspectos. São muitos, mas mesmo muitos, demasiados, os lugares ocupados para satisfazer esta lógica. A feira de vaidades, a ostentação, a utilização de viaturas, telemóveis, tudo isto é legal.
Não é ilegal que no jogo dos arranjos e dos lugares muitos tenham encontrado no “serviço ao público” o modo de se servirem a si mesmos e aos seus familiares e amigos, tendo acedido a um nível de vida nunca antes perspectivável pelos próprios.

Nesta campanha eleitoral assisti ao empenho e ao fervor com que as suas posições foram defendidas. Um vigor, e aqui permito-me fazer um juízo de valor, que resultava talvez do facto de não se estar somente a defender uma ideia, mas antes uma parte do poder, um estatuto, um nível de vida, um emprego bem pago e nem sempre muito exigente.

A moral da República é a Lei, pelo que não são conhecidas incompatibilidades legais nesses nomeados. É legal que assim seja.

Deste modo todo o juízo deve ser político e reduz-se ao campo da ética. É politicamente condenável esse tipo de aproveitamento do poder conferido pelo voto dos cidadãos. Mas porque o problema é exclusivamente político, devem ser os cidadãos a tomar consciência que suportar este tipo de posturas é empobrecedor da democracia, porque esta deve ser o reconhecimento da palavra honrada, do mérito e da dedicação, do escrutínio de propostas e da elevação das práticas.

2009/11/08

LEI DEMASIADO RIGIDA IMPEDE A NOMEAÇÃO DE NETO DO PRESIDENTE DA CÂMARA


Esta semana, foi notícia em vários órgãos de comunicação a crítica dos partidos da oposição em Loures às nomeações de familiares do Presidente da Câmara para lugares nos gabinetes da administração municipal.
Não sendo uma prática nova, são dois os tipos de nomeação; num caso a recondução de familiares já nomeados anteriormente, noutros novas nomeações que resultam do natural crescimento de todas a famílias. Os filhos crescem, namoram e casam, e aparecem os primeiros netos. Deste modo surgem novos candidatos a nomeação.
Neste mandato, o Presidente nomeou a sua filha Adjunta no seu Gabinete, que já é chefiado pelo seu cunhado. A família já se encontra quase toda reunida. Quase, porque a rigidez da legislação laboral impede que os seus dois netinhos sejam nomeados.
O Presidente não deixará de considerar este espartilho legal algo inaceitável.
O seu neto, que apesar de não ter idade sequer para frequentar o 1º ciclo do básico, tão activamente participou na campanha do avô, em almoços, jantares, visitas a associações e actividades municipais, elevado ao estatuto de “Neto Municipal”, não pode ser sequer assessor do seu avô!
Algo que até dava muito jeito à mãe, que o passava a ter ali mesmo à mão para qualquer muda de fralda.

O REGRESSO DO MARQUÊS


Há um ano que o Palácio está de portas e janelas cerradas. Muito.se passou de Novembro de 2008 até hoje. Muito foi aquilo que mudou, mas muito mais é aquilo que continua na mesma.
Abrirei de novo as janelas e as portas deste vetusto espaço, para que a luz me volta a fazer familiares espaços que a distância fez esquecer.

Estou de regresso.