2008/07/27

QUANDO O MEU AVÔ NÃO ME COMPROU UM CHUPA, PERCEBI QUE ELE NUNCA SERIA UM BOM PRESIDENTE DE CÂMARA


Não consegui, como era meu objectivo, visitar no passado sábado o Palácio do Correio-Mor. Assim, perdi a possibilidade de voltar a um dos mais belos locais do concelho de Loures. O Palácio do Correio-Mor, em Loures, consegue sempre transportar-nos para outro tempo. É uma pérola encravada num vale pronunciado e resguardado por encostas verdejantes. Dificilmente quem passe em Loures intui a existência daquela relíquia.


Mas perdi outra coisa. Perdi a possibilidade de ouvir um dos mais impressionantes discursos do Presidente da Câmara Municipal de Loures, felizmente as novas tecnologias conseguem encurtar o tempo e o espaço. Por momento da atribuição da Condecorações Municipais, onde o centro devem ser aqueles que o colectivo dos Vereadores decidiu distinguir, Carlos Teixeira não resistiu ao discurso egocentrado. Assim, teceu uma peça de autoelogios num tom, ora intimista, ora panegírico. Numa cerimónia dedicada aos outros, não resistiu ao eu. Mas a tónica forçada na autoconfiança e na certeza do apoio público, deixa transparecer a crescente insegurança e cansaço do Presidente da Câmara.


O discurso revela ainda, se comparado com outras peças oratórias produzidas ao longo destes últimos sete anos, um esgotamento da mensagem política e a ocupação do momento oratório pela vacuidade das referências de circunstância. Passou há muito o momento das promessas fáceis dos primeiros anos e dos discursos plenos de referências aos problemas herdados. Mas a evolução não passou para um discurso de presta-contas das promessas feitas, porque na sua maioria não foram cumpridas. Mas também não se reconverteu num discurso de futuro sobre os novos desafios, porque a Câmara Municipal estagnou no lodo do seu autocontentamento.

A referência à crítica política, que se vai avolumando em Loures, reduziu-se a uma nota inflamada em torno da vozes críticas em relação à utilização abusiva que o Presidente da Câmara faz da sua vida pessoal como meio de promoção política! Não deixa de ser curiosa esta postura. Neste momento, as únicas novidades significativas que o Presidente vai dando, são os progressos pueris do seu neto! Os “Políticos também têm família (...)” não me parece uma revelação digna de registo, mas o contexto e o revelador tornam-na merecedora de comentário.


Nunca aqui duvidámos que os políticos também têm família, aliás, em Loures, descobrimos pouco depois das eleições de 2001 que os eleitos do PS tinham família. Foram vários os ascendentes e descendentes dos recém eleitos a encontrar empregos e colocações na estrutura administrativa da Câmara Municipal. Em relação à vida privada e pessoal dos titulares de lugares públicos no Município de Loures, foram estas a únicas referências que alguma vez vi escritas.

O direito à reserva da vida privada, é um direito de todos os cidadãos, incluindo daqueles que desempenham cargos públicos. Salvo um ou outro episódio canalha, a exploração da vida privada não têm sido um método comum de luta e combate políticos em Portugal, nem no Município de Loures. E muito bem. Este facto é um sinal de urbanidade e maturidade democrática. Mas se a reserva da vida privada de terceiros é sinal de urbanidade, a recusa da utilização da vida privada como meio de promoção política também o é!

Pouco releva para a qualidade de um Presidente de Câmara conhecer a natureza e qualidade das suas relações pessoais e privadas. A sua exposição ostensiva é desnecessária e até de mau gosto em alguns momentos. Que interessa aos associados de uma Associação de Reformados, que esperam pela construção de um centro de dia, saber que no dia anterior o Presidente de Câmara jantou com os seus pais? Que interesse tem para uma Associação de Pais, que espera a construções de um novo jardim-de-infância, que o neto do Presidente de Câmara lhe sujou a gravata com papa? Que interesse têm referir no meio de uma intervenção pública o contexto em que a filha ficou menstruada? Pura falta do sentido do ridículo, para ser suave. Esta exposição tem um objectivo político claro, daí que a coloque âmbito da crítica política, a criação de um falso sentimento de proximidade às pessoas.

Se um dia o Presidente de Câmara se divorciasse da sua esposa, cortasse relações com os seus filhos e se se casasse em Barcelona com um gasolineiro, tornar-se-ia pior autarca por isso? Claro que não, continuaria a ser tão mau quanto é hoje.


A mim pouco me importa se o meu Presidente de Câmara e os Vereadores são casados, divorciados, solteiros, unidos de facto, se são fiéis ou infiéis, se têm filhos, sobrinhos ou enteados, se têm pais ou padrinhos, nem se as suas relações com estes parentes todos é boa, má ou assim-assim. Todos esses aspectos são da reservada esfera da sua vida privada, aí se devem manter e ser, por todos, intransigentemente defendida, incluindo pelos próprios. Até porque a utilização da vida privada no contexto do debate político é uma caixa de pandora, que importa nunca venha a ser aberta, para sanidade e elevação do debate político.

6 comentários:

Anónimo disse...

Também já ouvi muitas vezes discursos do Teixeira com essas referencias todas à família, então quando visita os centros de idosos é um espetáculo. Vale tudo, até a novela mexicana. É um nível muito baixo.

Anónimo disse...

A conversa do netinho é para papalvos, mas funciona...

Anónimo disse...

Esse que é o problema, usar a família como argumento parece bom e talvez renda votos, mas e se a coisa correr mal, aí passa a ser indecente falar no assunto?

Anónimo disse...

Também me estou positivamente nas tintas para a vida particular de quem nos governa, seja na camara, ou no governo. A minha vida já me dá tanto que fazer!
Até porque essas utilizações são sempre cínicas, porque partem da divulgação de uma perfeição para consumo público. Muitas vezes, e não digo que seja o caso, as virtudes públicas escondem apenas vícios privados.
O local onde mais se abusam dessas confusões são os EUA e veja-se como aquilo dá barraca de vez em quando.

Anónimo disse...

É o chamado Sentido de Estado. Estão a ver o cavaco a falar das fraldinhas do neto.

antónio m p disse...

Foi bom conhecer este blogue, vizinho. Inteligente e muito bem escrito. ("Muito", aqui, não se refere à extensão dos textos...!).
Será um prazer e interesse voltar.