2008/02/20

PARA A COMPREENSÃO DO FENÓMENO DAS CHEIAS

A ocupação imponderada do território é um dos factores que mais tem contribuído para o agravamento de fenómenos como aqueles a que recentemente assistimos. As fragilidades do território desaconselham a ocupação de zonas baixas, leitos de ribeiras, mas também a impermeabilização excessiva de solos, facto este tão ponderoso seja numa zona baixa, seja numa vertente.
Loures possui alguns dos piores exemplos nesta matéria. Algumas das imagens das recentes cheias de 18 de Fevereiro, são da várzea, nomeadamente da zona do infantado, onde a expansão continua, subtraindo terrenos alagáveis e outrora agrícolas.
Neste contexto, publicamos duas reflexões sobre a Urbanização do Infantado, que nos foram remetidas por mail. Elas vêm datadas pelo autor.


Loures Shopping, Infantado, Loures

"Urbanização da Quinta do Infantado"

"Grandes negociatas permitem um dos maiores crimes urbanísticos e um atentado ao ambiente e à vida das populações de Loures."


"A urbanização da Quinta do Infantado foi tentada durante o regime fascista, pouco antes do 25 de Abril de 1974.

Para servir esses interesses a Junta Autónoma das Estradas previa a construção da Radial da Malveira (actual A8), que passaria às portas dos terrenos do Infantado e assim viabilizaria a urbanização com o aumento do valor dos terrenos que passariam a ser servidos por uma auto estrada para Lisboa. (A 5 minutos de Lisboa como se dizia nas campanhas publicitárias).

Após o 25 de Abril de 1974, as várias entidades responsáveis, governamentais e camarárias, verificaram a monstruosidade deste projecto e os graves problemas que iria acarretar para toda a região.
Tratava-se de criar mais um grande aglomerado (10 000 fogos e 35 000 habitantes) mais um dormitório na periferia, como já tinha acontecido com os que conhecemos às portas de Lisboa.

Infantado, cheias de 18 de Fevereiro 2008

Os problemas de trânsito iriam ser diariamente agravadas, os impactos nas infra-estruturas e equipamentos já insuficientes iriam prejudicar ainda mais a já precária qualidade de vida de Loures.

Terrenos agrícolas de alto valor eram inutilizados, zonas de cheia ocupadas, quer pela urbanização quer pela via rápida e seus acessos.

Apesar de ser prometida a construção da via rápida, esta deixaria de ser rápida, na entrada em Lisboa (Calçada de Carriche) já totalmente saturada.

Depois de analisados estes problemas, todas as entidades consultadas após o 25 de Abril foram unânimes em considerar tal projecto megalómano e de graves consequências para o concelho de Loures. Note-se que nessa altura estava já em curso na zona mais uma grande urbanização, a Cidade Nova, de igual dimensão.

O Concelho de Loures tinha em poucos anos triplicado de população (100000 habitantes em 1960 para cerca de 280 000 habitantes em 1975).


Infantado, cheias de 18 de Fevereiro 2008


Tais factos levaram a alterar os pareceres para o percurso da via rápida que deveria deixar de passar na Várzea de Loures e passar a meia encosta, servindo as populações já instaladas (e não os interesses especulativos das novas urbanizações) e causando menos problemas ambientais, sem inutilizar terrenos de alto valor agrícola e evitando a passagem em leito de cheias.

Em 1977 a Câmara de Loures, recentemente eleita, (maioria PS) tomou posição no sentido de alterar o traçado da via rápida para a Malveira. Este facto motivou desde logo grandes pressões do urbanizador (Sr. Arnaldo Dias) sobre os eleitos da Câmara o que levou a que algum tempo depois o Presidente da Câmara (Eng.º Riço Calado) viesse a alterar a sua posição e impusesse um parecer para a JAE retomar o traçado da via rápida pela várzea de Loures.

Estava então aberto o caminho para o grande negócio da urbanização da Quinta do Infantado.
A Radial da Malveira (A8) passando à porta dos terrenos da Quinta do Infantado garantia a sua viabilidade e a valorização especulativa dos terrenos.
Infantado, cheias de 18 de Fevereiro 2008
De imediato começaram a dar entrada na Câmara os projectos, que foram aprovados próximo das eleições de 16 de Dezembro de 1979.

A então APU (CDU) fez do exemplo da Quinta do Infantado a base da sua campanha contra as negociatas da especulação imobiliária, e contra a conivência do então presidente Eng.º Riço Calado.

A população do concelho vítima de situações idênticas em Odivelas, na Póvoa St.º Adrião, no Olival Basto, em St.º António dos Cavaleiros, em Sacavém, como em muitos outros locais, confirmou o repúdio por estas negociatas e derrotou o PS e o Engº Riço Calado.

Logo que souberam o resultado das eleições, entre o dia 17 de Dezembro de 1979 e o dia 28 de Dezembro os urbanizadores conseguiram o que nunca tinha sido visto. Foram obtidos os pareceres, feitas as informações, negociadas as condições do alvará e em reunião de Câmara expressamente convocada para o efeito, e, já com as eleições perdidas, aprovaram o alvará da urbanização.

Este expediente não resultou uma vez que se esqueceram de aprovar as actas e as deliberações não foram consideradas válidas quando a nova administração tomou posse em 2 de Janeiro de 1980.

O urbanizador não aceitou esta contrariedade e iniciou de imediato as obras de urbanização. O facto de a nova administração da Câmara CDU não ter a maioria absoluta impediu que fossem tomadas posições definitivas e o assunto foi sendo arrastado até que a maioria PS + PPD + CDS impôs a queda da Câmara em 1981. O urbanizador tentou entretanto aumentar o número de fogos de 10.000 para cerca de 11.500. No intervalo das eleições foi nomeada uma Comissão Administrativa para a CM Loures, com maioria PS, que logo tratou de aprovar os processos de urbanizações que estiveram retidos. As eleições intercalares de 1981 foram novamente dominadas por campanhas da CDU contra a especulação imobiliária e as negociatas que deram origem a novas urbanizações (Casal do Monte, Quinta do Conventinho, Quinta do Almirante e Quinta do Infantado, etc.).

Parque Verde junto ao Loures Shopping, Infantado, 18 de Fevereiro de 2008
Novamente o PS foi derrotado e a CDU alcançou uma maioria mais confortável aumentando o número de votos.

Mais uma vez a urbanização da Quinta do Infantado foi posta em causa. Contudo como entretanto tinha sido reaprovada e várias construções estavam já em estado avançado, a Câmara impôs que fosse completamente reformulado o projecto e o alvará da urbanização.

As condições foram reduzir o número de fogos para um máximo de cerca de 6000, não ocupar zonas abaixo da cota 10 (terrenos inundáveis) não ocupar terrenos agrícolas e ceder espaços para equipamento na base de cerca de 80 m2/fogo.

Em 1983 o Concelho de Loures foi gravemente atingido por cheias que se tornaram particularmente graves devido aos aterros feitos para a construção da Via Rápida. Infelizmente confirmou-se o erro de fazer passar a Via Rápida por dentro da Várzea, mas o serviço à especulação imobiliária fora mais forte.

O urbanizador arrastou a reformulação da urbanização até 1987, altura em que finalmente aceitou as condições impostas pela Câmara. Note-se que na altura a CDU tinha acabado por conquistar a maioria absoluta.

Estamos na final de 2002, e após 22 anos, o PS voltou a ganhar as eleições para a CM Loures. A memória das populações é fraca e foi esquecido o que foi feito (e o que não foi) no tempo do Presidente Eng. Riço Calado. O PS desta vez com a condescendência da CDU voltou a aprovar aquilo que até hoje tinha sido considerado como um dos maiores crimes urbanísticos do concelho de Loures e da região de Lisboa.

As notícias nos jornais e as declarações dos responsáveis a manifestar apreensão não conseguem esconder as cedências que fizeram contra os interesses das populações. "

Loures, 30 de Dezembro de 2002
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"As pressões do urbanizador para retomar o antigo projecto aprovado pelo PS/Riço Calado em 1979, não pararam. O que realmente é grave é que essas pressões tenham resultado e os “responsáveis” da Autarquia, tenham cedido e feito a vontade ao urbanizador prejudicando gravemente as populações. Foram aceites alterações que elevaram a área urbanizável de 63 para 127,86 ha, o número de fogos de 2700 para 6.615, e a área de construção de 380.000 para 946.000m2. Terrenos da Reserva Agrícola (RAN) e Reserva Ecológica (REN), foram desafectados para mais construção e para a grande superfície comercial. Aumentaram os índices de construção e de ocupação a ponto de na área acima da cota 10 já não haver possibilidade de cumprir as necessidades de espaços para equipamentos e cedências para zonas verdes.

Recentemente fomos confrontados com o novo alvará correspondente ao novo estudo de urbanização. Para além destes aumentos, foi alargada a área de intervenção ocupando áreas defendidas, áreas inundáveis, e chegando ao cúmulo de prever Zonas Verdes dentro de rotundas viárias, em zona inundável e equipamentos ocupando integralmente o interior dos quarteirões de prédios. A Escola Secundária ocupa parte do terreno defendido e inundável. Ainda iremos assistir aos pais das crianças irem buscar os filhos à Escola de barco.

Várzea de Loures junto ao Infantado, 18 de Fevereiro de 2008
As monstruosidades e crimes urbanísticos virão ainda a aumentar uma vez que, o alvará prevê novas ocupações, explicitando: “ As parcelas de RAN a ceder ao município poderão ser afectas a qualquer uso de interesse municipal ou equipamentos colectivos, mediante as autorizações necessárias das entidades com competência na matéria...”, A utilização de terreno agrícola e inundável para equipamentos, mesmo com autorização das entidades, numa grande área onde o que menos falta é o terreno para construção é inaceitável. Para tentar justificar o injustificável, ou seja a utilização do terreno agrícola cedido, o Alvará diz ainda que essas áreas “ poderão ser fruídas no seu uso legal quer pelo município directamente quer por título precário concedido a terceiros nomeadamente em regime de hortas urbanas...”. Isto é, no mínimo, criminoso e caricato.

Há muito que se sabe, e hoje é impossível continuar a esconder, que o aumento desenfreado da construção, na Área Metropolitana, acarretou grandes prejuízos para os habitantes desta região. Os estudos do PROT-AML, no seguimento de muitos outros, contêm dados insuspeitos. Aumento dos problemas de trânsito, défice de infra-estruturas e serviços públicos, favorecimento das condições para o aumento da insegurança, criminalidade, marginalidade, redução da qualidade de vida e ambiental.

Loures e agora também Odivelas, vão pagar caro este crescimento não sustentado. Dia a dia continuaremos a ver agravados os problemas ambientais, hídricos, das cheias, de trânsito em especial nos acessos a Loures e na Calçada de Carriche."

Loures, 20 de Janeiro de 2003

5 comentários:

Anónimo disse...

PELO QUE PERCEBI DO LONGO TEXTO, O CULPADO DO CAOS URBANISTICO DE LOURES, INCLUSO AS BARRACAS POR TODO O LADO, OS BAIRROS ILEGAIS, AS URBANIZAÇÕES TODAS QUE DESCREVE, SÃO CULPA DO PS E DO PSD. O PC, QUE GOVERNOU A CÂMARA DESDE 1979 ATÉ JANEIRO DE 2004, OU SEJA DURANTE MAIS DE 22 ANOS, NÃO TEM QUALQUER RESPONSABILIDADE NESTAS MATÉRIAS NEM EM TUDO O QUE DE MAU EXISTE EM LOURES. É TUDO CULPA DO PS E DO PSD. MEU AMIGO MARQUÊS: ESPERAVA QUE O MEU AMIGO TIVESSE MAIS CONSIDERAÇÃO PELOS SEUS HABITUAIS LEITORES DO SEU BLOG DE GRANDE QUALIDADE MAS QUE COM TIRADAS DESTAS PERDE CREDIBILIDADE E INDIRECTAMENTE NOS CHAMA ESTUPIDOS A TODOS. MAS NÃO SOMOS. E SABEMOS BEM SEPARAR O TRIGO DO JOIO. PARA MIM TODOS OS PARTIDOS QUE AO LONGO DESTES MAIS DE 33 ANOS GOVERNARAM A CÂMARA DE LOURES TÊM GRANDES RESPONSABILIDADES. UNS MAIS OUTROS MENOS. AGORA DIZER QUE SÓ 2 DOS 3 QUE CÁ ESTIVERAM É QUE SÃO OS VERDADEIROS CULPADOS PARECE-ME QUE É ESTAR A ATIRAR POEIRA PARA OS NOSSOS OLHOS. ESPERO QUE TENHA O BOM SENSO E A HUMILDADE DE ADMITIR COMO REAIS AS MINHAS PALAVRAS. a propósito, não sou filiado em nenhum partido politico e já votei nos três partidos que referi em momentos diferentes seja nas autárquicas, nas legislativas ou nas presidênciais, consoante o que acho melhor para o meu país ou para a minha região. Não só ortodoxo nem refem de um qualquer partido ou de um qualquer candidato. Sou uma pessoa livre. Voto em quem quero por uma simple razão: não dependo de nenhum para viver. Graças a Deus.

O MARQUÊS DA PRAIA E MONFORTE disse...

Caríssimo;

Antes de mais, obrigado pela sua visita e pelo seu comentário.

Sobre o texto que publiquei, devo dizer-lhe que me identifico com as preocupações que o mesmo expressa. O Infantado é exemplo de mau urbanismo, de má gestão do território. A sua génese é aquela que o texto descreve. Se tiver sobre esta questão em particular informação em contrário esteja à vontada para a colocar aqui.

Os outros problemas que evoca, barracas e bairros de génese ilegal, também aqui serão abordados na sua complexidade e enquadramento histórico. De quem acha que é a responsabilidade das construções de génese ilegal, vulgo bairros clandestinos, que formam a cintura da cidade de Lisboa? Quais as suas causas históricas, económicas e socias? Em 1974 existia um contínuo de barracos que se iniciava no Figo Maduro e chegava até Camarate, ocupando quase toda a zona do Prior Velho, que destino tiveram? Como se resolveram esses problemas ao longo do tempo? Que instrumentos legais existiam, existiram e existem para efectivar o direito à habitação, que contribua para a resolução de problemas ainda existentes? Nos últimos trinta anos agravou-se o problema ou não?

Disponibilizo-me para acolher neste espaço a sua análise a estas questões e a estabelecer um diálogo consigo nestes temas.

O respeito por quem eventualmente lê este espaço está assegurado por natureza. As opiniões expressas são sempre as minhas e quando acolho outras é porque concordo igualmente com elas. Mas além disso, desde o primeiro texto que existe liberdade de contraditório a tudo o que aqui é escrito. Como já reparou, ao contrário do que se verifica em muitos espaços desta natureza, os comentário ficam automaticamente visíveis, não existindo qualquer tipo de análise prévia.

Por fim gostaria de fazer uma referência ao modo como termina o seu comentário. Não é mais livre que tem militância política do que aquele que não a tem. A associação política é um acto livre e consciente em que se ponderam ideias e eficácias. Um militante não é um preso. É antes alguém que assume um caminho prático para a intervenção em respeito pelas suas ideias, porque os partidos são meros onstrumentos para a acção política dos indivíduos.

Anónimo disse...

Mas nunca se vi cheias com esta gravidade nos tempos de gestão CDU amigo.
Agora é demais! Chegou a locais impensáveis. Algo teve origem para este estado de coisas, desculpe.

Anónimo disse...

Eu estou em crer que o Loures shooping teve influência, para além de ser um atentado estético numa zona saloia, aquele design esotérico com luas e sóis. Combina pelo menos com o pavilhão de MACAU, mais adiante. Outro atentado estético em Loures.
Loures está novo rico, kitche.

Anónimo disse...

Embora estejamos em 2014, a urbanização do Infantado não parou de crescer...deixo uma pergunta, A urbanização do Infantado não surgiu na altura em que a CDU estava na Câmara de Loures? Lembro-me da festa do Avante ser lá realizada.