Tornei-me secretário pessoal sem o ambicionar com fervor. Ambicionava outros sonhos e profissões, mas acabei por tomar conta da desorganização do meu patrão. Talvez tivesse sido um bom escritor, ou quem sabe, um médico elogiado. E como nem uma coisa nem outra aconteceram, fui obrigado a gerir as palavras e contas de outros. Nada disto me deixa triste, longe disso, tenho uma vida bastante agradável e agitada. Entenda-se que quem a agita não sou eu, mas sim o meu patrão. E antes de falar dele é necessário fazer uma pequena apresentação da minha vida.
Nasci às mãos de uma parteira no dia 27 de Março do ano da graça de 1829. Tomei no meu corpo uma severa pancada para chorar e apercebi-me que desde o primeiro ao último dia das nossas vidas as pancadas acompanhar-nos-ão como o ar que respiramos. A minha primeira casa foi na província, mais especificamente em Atalaia, pequena terra próxima de Constância. Os meus pais eram negociantes de ferro e vivíamos de uma forma confortável, mas longe de sermos uma família abastada. Ao contrário dos meus progenitores tornei-me estudante de Filologia por sugestão do pároco da Atalaia, segundo ele por ter apetência natural para as letras. Confiei nele e ainda hoje julgo que ele tinha toda a razão. Não sou escritor, mas podia ter sido.
Acabados os estudos em Coimbra resolvi descer no mapa e vim para Lisboa, as oportunidades seriam maiores na grande cidade. E foi no primeiro dia em Lisboa que eu conheci o meu patrão, o excelentíssimo Marquês da Praia e Monforte, um cavalheiro culto e apreciador das belezas, mistérios e vícios da vida. Os nossos caminhos cruzaram-se quando eu procurava uma pensão e por engano entrei numa casa de fins duvidosos. Ou por outras palavras, conhecemo-nos quando ele avaliava com as mãos as pernas de uma jovem moça num bordel. O bordel da meretriz Nini. Nunca mais voltei àquela casa. Tenho a certeza que o Marquês – e com muita frequência -, porém, sem o admitir, que lá voltou muitas vezes. Trocámos algumas palavras de circunstância (circunstância bizarra, sem dúvida), como habitualmente fazem os cavalheiros, quando o Marquês da Praia me convidou para seu secretário. Desconfiei do seu tom ébrio, mas não hesitei em aceitar a proposta.
Sou dedicado ao Marquês e a todos os seus pertences, o trabalho aumenta a par do cansaço e dos anos que passam. Ainda assim acredito que sou afortunado.
Durante algum tempo fomos grandes amigos e confidentes, até que o Marquês trouxe para o palácio a sua afilhada francesa. Enfim, perdi protagonismo e favoritismo, todo o tempo é para a afilhada e para os seus caprichos. Longas horas no quarto ora de um ora de outro, mas nem quero pensar em Miss Nini ou outras semelhantes.
Esta é a história da minha insonsa vida.
Alfredo Pinto da Silva
Nasci às mãos de uma parteira no dia 27 de Março do ano da graça de 1829. Tomei no meu corpo uma severa pancada para chorar e apercebi-me que desde o primeiro ao último dia das nossas vidas as pancadas acompanhar-nos-ão como o ar que respiramos. A minha primeira casa foi na província, mais especificamente em Atalaia, pequena terra próxima de Constância. Os meus pais eram negociantes de ferro e vivíamos de uma forma confortável, mas longe de sermos uma família abastada. Ao contrário dos meus progenitores tornei-me estudante de Filologia por sugestão do pároco da Atalaia, segundo ele por ter apetência natural para as letras. Confiei nele e ainda hoje julgo que ele tinha toda a razão. Não sou escritor, mas podia ter sido.
Acabados os estudos em Coimbra resolvi descer no mapa e vim para Lisboa, as oportunidades seriam maiores na grande cidade. E foi no primeiro dia em Lisboa que eu conheci o meu patrão, o excelentíssimo Marquês da Praia e Monforte, um cavalheiro culto e apreciador das belezas, mistérios e vícios da vida. Os nossos caminhos cruzaram-se quando eu procurava uma pensão e por engano entrei numa casa de fins duvidosos. Ou por outras palavras, conhecemo-nos quando ele avaliava com as mãos as pernas de uma jovem moça num bordel. O bordel da meretriz Nini. Nunca mais voltei àquela casa. Tenho a certeza que o Marquês – e com muita frequência -, porém, sem o admitir, que lá voltou muitas vezes. Trocámos algumas palavras de circunstância (circunstância bizarra, sem dúvida), como habitualmente fazem os cavalheiros, quando o Marquês da Praia me convidou para seu secretário. Desconfiei do seu tom ébrio, mas não hesitei em aceitar a proposta.
Sou dedicado ao Marquês e a todos os seus pertences, o trabalho aumenta a par do cansaço e dos anos que passam. Ainda assim acredito que sou afortunado.
Durante algum tempo fomos grandes amigos e confidentes, até que o Marquês trouxe para o palácio a sua afilhada francesa. Enfim, perdi protagonismo e favoritismo, todo o tempo é para a afilhada e para os seus caprichos. Longas horas no quarto ora de um ora de outro, mas nem quero pensar em Miss Nini ou outras semelhantes.
Esta é a história da minha insonsa vida.
Alfredo Pinto da Silva
3 comentários:
Senhor secretário:
prezo muito o seu trabalho, que urge dar provas. Mas não me parece que lhe seja possível fazer referência aos meus caprichos, pois para tal não lhe dei ainda permissão.
Está-me a parecer que isto está a começar mal...
Um abraço e tento na pena.
Caro Secretário
Não é nada delicado fazer públicos comentários sobre os possíveis caprichos de uma senhora, muito menos se essa mesma senhora é hóspede na casa onde o senhor serve. Um bom secretário é aquele, que sendo insubstituível, prima pela discrição.
Não se esqueça que a oportunidade que lhe foi concedida é condicional à avaliação dos seu desempenho.
Por outro lado, tenha sempre presente que a insolência jamais será tolerada dentro destas paredes.
Reduza-se às suas tarefas e prolongue por essa via a sua permanência entre nós.
O Marquês
Ora bem, depois da celeuma a bonança. Talvez que as minhas suspeitas tenham sido criadas pelo sono, afinal trabalho muito para o Marquês. Tentarei escrever apenas com penas da concórdia.
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