2007/07/14

SER DE ALGUM LADO




Amanhã Lisboa vai a eleições. Em torno deste pensamento matinal, das cogitações associadas, e porque o pensamento, mais do que as conversas, é mesmo como as cerejas, lembrei-me de uma das últimas frases de campanha da Helena Roseta, na qual ela justificava a presença de uma formação musical marroquina na sua acção de campanha. Dizia ela, que Lisboa sempre foi uma cidade de diferenças e misturas, mais ou menos assim.
Já não me lembrei mais das eleições em Lisboa, e comecei a navegar, partindo desse cais. De muito longe vimos todos, de outros tempos e de outros sítios. Tem razão a Helena quando o diz e acrescenta que quase nunca nos lembramos disso. Recuando na memória, temos a certeza da origem dos nossos pais e os nossos avós, por via deles sabemos sempre mais qualquer coisa sobre os pais destes. Para lá dessa fronteira começa a bruma. Tudo é mais incerto e duvidoso. A única certeza é que viemos de longe no tempo.
Próximo de mim tenho o Alentejo, ou melhor os “Alentejos”, porque são dois diferentes. Um operário, mineiro, contrabandista, pobre, seco e longe. O outro é rural, camponês, pobre, seco e longe. Os dois visitados e de ambos ainda tenho testemunho credível, mais ou menos credível, porque a memória engana sempre, e as histórias de tanto serem contadas em encontros de família e conversas com amigos, vão-se fabulando, adocicando, caricaturando, perdendo o h. E para além disso? Para além disso, há referência a uma Galiza muito distante, e talvez a destinos ainda mais distantes, denunciados em olhos claros nos corpos morenos. A pele muito escura remete ainda para mais longe, para lá do mar, para lá do sul meridional para os mais próximos, ocidente para os mais distantes. Rastos perdidos em migrações anónimas de gente simples e errante, sem amarras à terra, sem feudos seus, sem brasão, apelidos de família, longe do interesses da genealogias.
Certo é que o conhecimento histórico nos identifica esses grandes movimentos de pessoas. Conhecemo-los por essa via, mas quase nunca os temos como nossos. Pensando nisso envolve-me uma nostalgia, uma saudade do que nunca se conheceu, nem se virá a conhecer.

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