2008/03/15

SERIA BOM, SE FOSSE DE ESQUERDA





O PS realizou hoje no Porto um comício que não figurará na história. O partido da maioria absoluta escolheu um pavilhão modesto, quitou-o de tudo quanto é tecnologia de som e imagem, e uns poucos milhares de militantes e apoiantes completaram o cenário.

Foi prudente o distanciamento que o PS foi fazendo em relação ao eventual comparação entre este momento e a passada manifestação dos professores. Sairia sempre derrotado numa eventual comparação. Assumiu então este comício como a comemoração dos três anos de governo socialista e dos seus feitos.

Foi feita a apologia da bondade do rumo assumido pelo governo. Foi feita, como seria de esperar a defesa das acções e foram apresentados exaustivos dados que comprovam essa visão. Ao fim de três anos pode dizer-se sem reservas que este governo não tem sofrido de qualquer letargia de acção. Na verdade, este tem sido o governo mais activo dos últimos mandatos legislativos. Mas nem sempre fazer muito é fazer bem, nem em política existe o fazer bem. A acção política é distinta da acção técnica. Não se definde da bondade da acção política pela sua proximidade a regras os esquemas. A acção política avalia-se por critérios igualmente políticos. Isso não significa que a avaliação da acção política não esteja sujeita a avaliação objectiva, bem pelo contrário.
Sendo assim, que crítica pode ser construída à acção do actual governo?

A crítica constrói-se em primeiro plano partindo do quadro programático de quem governa e da relação que esse quadro tem com a expectativa que se funda nos valores defendidos e auto-proclamados. O PS – Partido Socialista governa o país com maioria absoluta há três anos. Seria expectável que esse governo absoluto tivesse desenvolvido políticas socialistas. Ao contrário do que se havia passado com outras experiências governativas do PS, desta vez o PS teve a oportunidade de confortavelmente aplicar o seu programa, agindo conforme o seu programa.
O PS absoluto de Sócrates, ao contrário do que se passou com o PS de Guterres, é um partido de direita. Esta afirmação é um juízo político aferível. Não está em causas as condições concretas de acção de um governo no actual contexto europeu e internacional, nem na conjuntura nacional. Qualquer governo de esquerda teria dificuldades extraordinárias em aplicar uma agenda reformista profunda, mas mesmo a política enquanto arte do possível, ainda que num contexto espartilhante, passui um leque variado de opções políticas. Nesse leque possível, o PS escolheu o caminho mais fácil. Esse caminho é o aprofundamento do desenvolvimento de uma sociedade economicamente injusta e desregulada, socialmente desprotegida e culturalmente empobrecida. Os acção governativa não ousou contrariar em nada de substantivo a estrutura resultante dos governos de direita desde 1987. As medidas paliativas, por muito relevantes que possam ser, em nada contribuiram para contrariar a análise anterior.

Em áreas determinantes, o PS de Sócrates rendeu-se à cartilha neo-liberal. Não foi dado nenhum passo para inverter a desregulamentação do mundo do trabalho resultante do Código do Trabalho, contra o qual o PS havia votado, mas tomam-se antes iniciativas conducentes ao agravamento de alguns dos seus aspectos mais negativos.

Durante estes três anos, por mais que se esforce a propaganda por desmenti-lo, agravou-se a pobreza, aumentou o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, o que significa que se reduziram as oportunidades de desenvolvimento para muitos cidadãos. Os portugueses estão mais pobres, mais deprimidos, com menos direitos sociais, logo menos desenvolvidos.

Na segurança social o governo seguiu o caminho mais fácil, mas também o mais penalizador dos cidadãos. Foi incapaz de reformar as fontes de financiamento do sistema, adequando-as às mudanças estruturais da economia. Apostou, tal como a direita, na redução dos benefícios sociais, aumento da idade de reforma e redução dos valores das pensões futuras. Esta opção empobrecerá as futuras gerações de pensionistas e reduz o papel redistribuidor e solidário do sistema de segurança social. Deste modo contribui, não para a sua manutenção futura, mas através do descrédito em que o lança, para a sua destruição.

Na saúde optou por desenvolver um programa de acção, cuja face mais visível foi a reestruturação das redes de cuidados urgentes arientada por princípios economicistas. Dou de barato, por assim dizer, que as redes de cuiados médicos podem ser alvo de reorganização e que tal possa passar pelo encerramento de serviços e abertura de outros. Essa necessidade pode ser justificada por razões de ordem técnica e científica, as estruturas são mais complexas, por mutações geográficas e demográficas, melhores acessibilidades e alterações na distribuição da população no território. Contudo, assistimos à degradação dos cuidados disponíveis nas zonas mais deprimidas do interior e a um aumento do sentimento de abandono das populações mais desprotegidas. Tudo isto feito com grande dose de insensibilidade e arrogância. Por outro lado, o governo continuou a trilhar o caminho de hipoteca da saúde aos grupos económicos e financeiros através do aprofundamento das percerias público-privadas.

Na educação, contornando aqui o problema laboral dos professores, o governo apostou em acções de atroz superficialidade. Todos os dados apontados de aumento do sucesso escolar e de redução do abandono escolar, resultam de uma desqualificação do ensino. As estatísticas estão a ser construídas a golpes de machado na qualidade do ensino. Aprender deixou de ser o aspecto central no sistema de ensino público. O resultado será claro. Se a escola deixa de ser fonte de saber com qualidade, perde o seu papel enquanto democratizador de conhecimento.

Na reforma do estado e dos serviços públicos, o governo ousou fazer o que não se espera que seja feito por um governo de esquerda. Fomentou a inveja social e a mesquinhez como forma de obter apoio público a todas as medidas contra os trabalhadores da administração pública. Neste particular seguiu a estratégia dos governos anteriores.

Em suma, a grande crítica que se pode fazer a este governo não é que não governe, mas é que não governa à esquerda, como seria de esperar que um governo socialista fizesse.

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