2008/03/19

HÁ VIDA NO TRANCÃO... POR ENQUANTO!




Pequena boga ganhou 'olisiponensis' (de Lisboa) no nome

"Quando era miúdo, David Santos ia com os amigos ao rio Trancão, em Santo Antão do Tojal, Loures, onde vivia, apanhar peixinhos que depois mantinha em aquários. Não podia imaginar nessa altura que, duas décadas mais tarde, e já biólogo, esses peixes com apenas 10 centímetros se transformariam para si e para Hugo Gante e Judite Alves, também biólogos, numa experiência única e emocionante: a descoberta de uma nova espécie. Para mais, numa região de grande densidade populacional e num rio com altos índices de poluição e pressões ambientais, onde à partida ninguém pensaria que ainda fosse possível fazer uma achado assim.Por isso e, um pouco em homenagem à zona onde vive esta espécie, os três biólogos chamaram-lhe Chondrostoma olisiponensis - boga de Lisboa, de seu nome comum -, e publicaram o achado na revista científica norte-americana Zootaxa, em Setembro de 2007.

"Descobrir uma nova espécie é algo muito especial, porque o nosso nome fica para sempre ligado a ela, e é emocionante porque conseguimos identificar uma realidade que outros ainda não tinham percepcionado como nova", explicou ao DN Maria Judite Alves, investigadora do Museu Bocage (Departamento de Zoologia), do Museu Nacional de História Natural, e uma das três autoras da descoberta. "Esta é uma boa novidade, sobretudo num momento em que diariamente há notícias que dão conta da extinção de espécies por todo o planeta", sublinha a bióloga e especialista em peixes de água doce.Este achado acaba por ser surpreendente, numa região com grandes problemas de pressão ambiental e urbanística. Por isso, há também uma "má notícia", adianta Judite Alves. "O futuro da espécie não é risonho, se as poucas zonas onde conseguimos encontrá-la não forem alvo de um plano de conservação para a sua preservação", alerta a bióloga. Um peixinho diferenteA história desta descoberta começa mesmo com os aquários em que David Santos, ainda criança, mantinha os peixes pequeninos que apanhava no Trancão.

Mais tarde, já estudante de biologia e amigo de Hugo Gante, seu colega de curso, foi disso que se lembrou quando precisaram de fazer um trabalho sobre espécies de água doce para uma das cadeiras do terceiro ano, em 1998. "Sabia que havia peixes naquela zona do rio e fomos até lá para apanhar alguns", lembra David Santos.Hugo Gante, então com 20 anos e já nessa altura interessado pelo estudo de peixes de água doce (está agora a fazer o doutoramento, justamente nessa área), percebeu logo que aquele era diferente do que deveria ser. "Estivemos a tentar classificá-lo, utilizando as chaves dicotómicas e não conseguimos. Aquele não batia certo com nada", conta Hugo Gante. Os peixes acabaram por ficar conservados em frascos, Hugo e David prosseguiram os estudos de licenciatura - "não tínhamos nessa época maturidade científica para avançar com aquela investigação", concordam ambos - e a vida prosseguiu. Mas a oportunidade acabou por ir ter com eles. Concluída a licenciatura em 2002, Hugo Gante foi trabalhar num projecto sobre barbos com Judite Alves, no Museu de Nacional de História Natural, onde a bióloga já estava há uma ano.

O peixe "inclassificável" foi tema de conversa e, à margem dos seus trabalhos de pesquisa centrais, os três biólogos decidiram investigar a questão a sério. Em 2004, foram para o terreno fazer prospecções no Trancão e noutros afluentes da margem direita do Tejo e fizeram análises genéticas aos peixes recolhidos em 1998. Paralelamente, e aproveitando o facto de o Museu Bocage ter uma colecção de peixes de água de doce, foram à procura de exemplares idênticos que pudessem estar ali guardados.

Os resultados foram todos no mesmo sentido. Conseguiram recolher indivíduos da espécie no Trancão e na ribeira de Rio Maior, um pouco mais a Norte, e as análises genéticas confirmaram o que avaliação morfológica já indiciava: que aquela ela era de facto uma nova espécie ainda não classificada. Na colecção do museu encontraram também dois exemplares que estavam etiquetados como Chondrostoma (boga) "e depois com pontos de interrogação", conta Judite Alves. O estudo que os três fizeram já permitiu reclassificá-los como aquilo que realmente são: Chondrostoma olisiponensis. Resta esperar que a espécie mereça os cuidados de que precisa para não desaparecer. Senão, prevêem os biólogos, no futuro "só existirão exemplares nos frascos do museu".
in, Diário de Notícias, 15 Mar. 2008

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