2007/04/12

A HISTÓRIA REINVENTADA

A TVI negociou recentemente os direitos de transmissão televisiva do anúncio oficial das novas “7 Maravilhas do Mundo”. Em simultâneo promove a “eleição” das “7 Maravilhas de Portugal”.
De um conjunto de 21 monumentos portugueses, a escolha dos telespectadores, “elegerá” os 7 que ocuparão o podium. Todos os candidatos são de pedra e cal, alguns têm betão. Por força das regras do concurso, não existe a escrutínio nenhuma paisagem, área ou região. Rapidamente se pode referir a Costa Vicentina, o Douro Vinhateiro, o Tejo Internacional ou a Peneda Gerês. De relevar as ausências na medida em que se resumem as potenciais maravilhas à dimensão construída, estrito senso. Não se abrindo o conceito aos valores naturais, talvez os mais necessitados de divulgação e defesa. É a lógica do concurso, pobre de facto.



Nesta fase do concurso, os melhores classificados são o Mosteiro dos Jerónimos e o Castelo de Almourol. Não deixa de ser revelador este facto. O Primeiro remete-nos ao passado imperial decorrente da expansão marítima, dos descobrimentos, do império ultramarino, das colónias, do Portugal do Minho a Timor. O segundo faz-nos recuar mais no tempo, à fundação da nacionalidade, à reconquista cristã, ao passado cruzado por via a intervenção dos Templários. Em ambos os casos, somos remetidos para uma história de epopeia e heroísmo, gloriosa e nacionalista. António Ferro conseguiu. Foi sem dúvida o mestre da propaganda. De tal modo bem sucedido, que ainda hoje o nosso imaginário colectivo está profundamente moldado pelos conceitos criados pelo Estado Novo. A nossa memória é a memória histórica reinventada, primeiro pelo nacionalismo romântico do século XIX, depois por 50 anos de nacionalismo fascista no século XX.
Colectivamente ainda não lhe conseguimos escapar. Ela é pegajosa, certinha, romântica, uma bonita estória (bela palavra que nos permite rigor conceptual).


Almourol é um castelo de contos de fadas, colocado romanticamente numa ilha num troço calmo do Tejo. Belo sem dúvida. É contudo “genuíno” de mais para a sua provecta idade. Uma breve consulta ao sítio oficial do Castelo de Almourol dá-nos algumas explicações. “(…)o castelo de Almourol foi votado a um progressivo esquecimento, que o Romantismo veio alterar radicalmente. No século XIX, inserido no processo mental de busca e de revalorização da Idade Média, o castelo foi reinventado, à luz de um ideal romântico de medievalidade. Muitas das estruturas primitivas foram sacrificadas (…)” Das muralhas em ruínas, das torres derrubadas ergueram-se ameias e merlões, materializou-se um ideal.

Na primeira metade do Século XX, já durante o Estado Novo o Castelo foi novamente intervencionado, sendo-lhe acrescentados mais alguns floreados decorativos. “No século XX, o conjunto foi adaptado a Residência Oficial da República Portuguesa, aqui tendo lugar alguns importantes eventos do Estado Novo. O processo reinventivo, iniciado um século antes, foi definitivamente consumado por esta intervenção dos anos 40 e 50, consumando-se assim o fascínio que a cenografia de Almourol causou no longo Romantismo cultural e político português.” (Fonte, IPAAR) Ficou o cenário em torno do qual se contava a estória.




O Mosteiro dos Jerónimos, não deixando de ter uma relevância arquitectónica, artística e histórica impar, não escapou imune à passagem do tempo, chegando ao final do século XIX em pleno estado de ruína. A sua reconstrução foi também o momento para retoques e aprimoramentos. A sua torre central viu substituído o seu telhado renascentista de quatro águas por uma cúpula, bem mais vistosa e ao gosto da época. Muitos dos elementos decorativos foram reinventados ao estilo manuelino.

A memória histórica dos povos é um fenómeno muito interessante. Os processos psicológicos, culturais e políticos da sua construção é que são um real objecto de estudo. Tal como, nos “Grandes Portugueses”, as “7 Maravilhas de Portugal” são apenas mais um fenómeno desse processo de construção da memória. Em nada alteram a validade da verdade volátil da ciência histórica.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não sei o que escreva, o que acabaste de afzer é acabar com o meu mundo fantasmagorico do castelo Almorol, mas muito bem esventrado daquilo que sopunha ser verdade. Ou não é assim??
A moeda tem duas faces, aqui o que mostras é a escondida.
Um abraço com amizade

Anónimo disse...

Desmancha prazeres... não se pode acreditar em nada pelas aparências. Já sabia que as muralhas de lagos têm só 75 anos, mas ignorava que almourol tinha tido o mesmo caminho. Mas chocante é aquela foto do Mosteiro dos Jerónimos, completamente arruinado.