Crise da fome ou o ovo da serpente?
"Vi, há muitos anos, creio que em finais dos anos 70, o fabuloso filme de Ingmar Bergman com o título “O Ovo da Serpente”. Nesse filme mostram-se os sinais do mal que ia incubando no mundo fútil e distraído que antecedeu a 2ª Guerra Mundial. À saída, perguntávamos uns aos outros, incrédulos, “como foi possível que não se tivesse visto a tempo?”Lembrei-me desse filme a propósito da já impressivamente baptizada como a Crise da Fome, que explodiu nos jornais como uma bomba.
De repente, sabemos que os alimentos básicos como o arroz, o milho e o trigo começam a faltar no mercado e os preços sobem em flecha, nalguns casos cerca de 40%. E como é que se acendeu o rastilho? Foi por análises atentas, acompanhamento dos mercados, estatísticas, mudanças de décimas e milésimas nas balanças comerciais ou nos mil e um relatórios sobre tudo e mais alguma coisa com que nos informam diariamente? Não. Foi porque começou a haver revoltas das populações com fome. Em vários países deste pequeno e global mundo, grupos de cidadãos ameaçam governos e, nos que já nem têm forças para tanto, as pessoas morrem por falta do pouco que tinham, os alimentos básicos. O Presidente da FAO terá falado do assunto há cerca de um ano, parece que não lhe ligaram muito, é facto que as eleições nos EUA ocupam milhões de noticias, comenta-se cada ruga da senhora Clinton ou a gravidez da nova ministra espanhola, os horrores de um louco austríaco indignam o mundo e pergunta-se “como foi possível?”Ouvimos todas estas notícias e é inevitável pensar como tudo isto é transmitido de uma forma fútil, a maioria do que se mostra, analisa e evidencia é episódico, o tempo que perdemos a ouvir isto tudo é puro desperdício, mas o que é importante, o que envenena insidiosamente o mundo em que vivemos, é escondido até que a desgraça se abata sobre as nossas cabeças.
Pense-se na crise do subprime, que, ao menos na aparência, apanhou toda a gente de surpresa e continua a minar sem se saber ao certo o quê, e agora a falta de cereais, um drama mundial de consequência imprevisíveis, atinge-nos com a força de um explosivo escondido. Ouvi hoje que a especulação bolsista terá uma grande responsabilidade nisso. Li ontem que a procura de alternativas aos combustíveis fósseis levou ao cultivo desenfreado de agrocarburantes, que as urbanizações cresceram em terrenos de cultivo, que a produção de arroz e trigo deixou de ser rentável para os agricultores…
Por todas estas razões ou ainda por outras, o facto é que não consigo entender esta distracção global. Numa época em que o ambiente ocupa o top das agendas, em que as mudanças climáticas nos ameaçam com as consequências a séculos ou milénios de distância, fazem correr milhões e milhões, em que se investigam os solos, as nuvens e as partículas, nesta maravilhosa época em que tudo se sabe e quase tudo se prevê, ninguém reparou na crise da fome? Começou ontem, nos jornais, ou a quem é que interessou que não se falasse disso? Soube-se hoje que vão agora ser disponibilizados uns larguíssimos milhões de dólares para remediar os efeitos imediatos, enquanto se preparam pacotes de “medidas” para o futuro. Mas as serpentes,ainda estarão no ovo?"
De repente, sabemos que os alimentos básicos como o arroz, o milho e o trigo começam a faltar no mercado e os preços sobem em flecha, nalguns casos cerca de 40%. E como é que se acendeu o rastilho? Foi por análises atentas, acompanhamento dos mercados, estatísticas, mudanças de décimas e milésimas nas balanças comerciais ou nos mil e um relatórios sobre tudo e mais alguma coisa com que nos informam diariamente? Não. Foi porque começou a haver revoltas das populações com fome. Em vários países deste pequeno e global mundo, grupos de cidadãos ameaçam governos e, nos que já nem têm forças para tanto, as pessoas morrem por falta do pouco que tinham, os alimentos básicos. O Presidente da FAO terá falado do assunto há cerca de um ano, parece que não lhe ligaram muito, é facto que as eleições nos EUA ocupam milhões de noticias, comenta-se cada ruga da senhora Clinton ou a gravidez da nova ministra espanhola, os horrores de um louco austríaco indignam o mundo e pergunta-se “como foi possível?”Ouvimos todas estas notícias e é inevitável pensar como tudo isto é transmitido de uma forma fútil, a maioria do que se mostra, analisa e evidencia é episódico, o tempo que perdemos a ouvir isto tudo é puro desperdício, mas o que é importante, o que envenena insidiosamente o mundo em que vivemos, é escondido até que a desgraça se abata sobre as nossas cabeças.
Pense-se na crise do subprime, que, ao menos na aparência, apanhou toda a gente de surpresa e continua a minar sem se saber ao certo o quê, e agora a falta de cereais, um drama mundial de consequência imprevisíveis, atinge-nos com a força de um explosivo escondido. Ouvi hoje que a especulação bolsista terá uma grande responsabilidade nisso. Li ontem que a procura de alternativas aos combustíveis fósseis levou ao cultivo desenfreado de agrocarburantes, que as urbanizações cresceram em terrenos de cultivo, que a produção de arroz e trigo deixou de ser rentável para os agricultores…
Por todas estas razões ou ainda por outras, o facto é que não consigo entender esta distracção global. Numa época em que o ambiente ocupa o top das agendas, em que as mudanças climáticas nos ameaçam com as consequências a séculos ou milénios de distância, fazem correr milhões e milhões, em que se investigam os solos, as nuvens e as partículas, nesta maravilhosa época em que tudo se sabe e quase tudo se prevê, ninguém reparou na crise da fome? Começou ontem, nos jornais, ou a quem é que interessou que não se falasse disso? Soube-se hoje que vão agora ser disponibilizados uns larguíssimos milhões de dólares para remediar os efeitos imediatos, enquanto se preparam pacotes de “medidas” para o futuro. Mas as serpentes,ainda estarão no ovo?"
Texto de Suzana Toscano, publicado no Quarta República.
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